Lei Paulo Gustavo: produtores e artistas foram prejudicados na apresentação de projetos

Reportagens exclusivas do Jornal Primeira Página mostram como a aplicação da Lei Paulo Gustavo no Tocantins, destinada ao fomento de projetos culturais, tornou-se um transtorno aos profissionais da área. O Ministério Público Federal apontou diversas irregularidades e pediu a suspensão da Lei e a devolução dos valores pagos aos projetos contemplados.

A quarta parte desta série especial reúne relatos de empresas, produtores e agentes culturais que se sentiram prejudicados pela Secretaria Estadual de Cultura do Tocantins (Secult), devido a falhas técnicas na plataforma online de envio dos projetos que buscavam recursos na Lei Paulo Gustavo.

Os relatos seguem anônimos para preservar os agentes e produtores, que temem retaliações.

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Conforme apuração do Jornal Primeira Página, ao submeterem suas propostas em uma plataforma online criada pelo Governo do Tocantins (https://lpg.to.gov.br), os produtores anexaram informações detalhadas sobre seus projetos, incluindo objetivos, roteiros, cronogramas de trabalho, além de certidões negativas de débitos fiscais e comprovantes de capacidade técnica, entre outros documentos obrigatórios.

Contudo, em ao menos quatro casos apurados pela redação do Jornal Primeira Página, os proponentes afirmaram ter enviado toda a documentação exigida, porém, durante a fase de avaliação dos projetos pelos pareceristas, parte dessa documentação não foi considerada, resultando na inabilitação dos projetos.

Uma dessas fontes, em entrevista ao Jornal, apresentou os espelhos (comprovantes) desta plataforma online, indicando o envio de todos os anexos. Essa mesma fonte relatou que ao ir à Secretaria para reportar o erro técnico, teve seu recurso negado pela Pasta. Em vez disso, foi sugerido que buscasse na Justiça a reparação dos problemas apontados.

Outra fonte que deu entrevista ao Jornal também se sentiu prejudicado por documentos que foram enviados e não analisados pelos pareceristas. “Isso gera uma insegurança, instabilidade demais em todo o setor. Eu tenho 30 anos de atuação no Tocantins, me dedico ao trabalho sério e ainda passei por todo esse transtorno. Tentei recurso, mas mesmo assim não foi possível resolver”, destacou.

A plataforma online em questão é a https://lpg.to.gov.br, criada pela Secult para receber os projetos dos proponentes tocantinenses interessados em participar dos editais da Lei Paulo Gustavo. Desde então, foi alvo de muitas reclamações por instabilidades e “bugs” que geraram ainda mais transtornos aos proponentes.

“Às vezes o site caía e todo o trabalho de preencher os campos com as informações obrigatórias precisava ser refeito. Já aconteceu de anexos de informações de terceiros aparecerem no meu cadastro. Tudo isso põe em xeque este sistema. O que não entendemos é porque a Secult pagou para criar essa plataforma, sendo que existem outras gratuitas, como o Prosas, usado agora pela Prefeitura de Palmas para fazer o mesmo serviço”, destacou um produtor da área de Teatro entrevistado pelo Jornal.

Um produtor do distrito de Taquaruçu, que fica a 30km de Palmas, também passou pela mesma situação. “Gerei as certidões negativas de débitos no dia de enviar o projeto no site, porém não conseguia anexar. Depois de muita luta, enviei, mas quando saiu o resultado, constava que os documentos não foram apresentados”, destacou.

Um documento encaminhado ao Ministério Público Federal, reunindo diversas outras denúncias de produtores a agentes culturais, apontou que a plataforma online da Secult apresentava “constantes apagões, o sistema não salvava informações, saía fora do ar e o proponente perdia tudo, além de um longo período em que o sistema não apresentava todos os campos para atender as exigências do edital”.

Por fim, artistas, produtores e empresas que atuam no setor cultural seguem aflitos e preocupados com a próxima lei de fomento que está por vir: a segunda fase da Lei Aldir Blanc, prevista para ser iniciada ainda neste ano.

Divergência de notas expõe falhas técnicas

Outro caso, que também sugere falhas técnicas por parte da Secult, trata-se de um proponente que identificou notas diferentes atribuídas para seu projeto. Inicialmente, a nota de 69,9 foi apresentada como resultado definitivo divulgado pela Secult. Contudo, ao solicitar cópias dos pareceres feitos pelos pareceristas, havia recebido uma nota maior, 79,9 pontos, com relatórios, inclusive, diferentes dos inicialmente informados.

Durante a apuração desta reportagem, a Secult enviou nota informando que o problema do proponente acima foi um erro da comissão do Edital ao repassar informações solicitadas pela empresa. “O caso relatado pela reportagem trata-se de um proponente que solicitou o espelho de notas de dois projetos de sua autoria, do mesmo edital, e foi prontamente atendido, dentro do prazo de recurso. Ocorre que, por falha no envio dos espelhos extraídos da plataforma, estes foram com identificação trocada, além de a nota atribuída por um avaliador em um dos projetos ter sido replicada nos dois espelhos.”

Contudo, o proponente segue questionando a informação dada pela Secretaria, de que o problema persiste e as respostas dadas pela Secretaria não explicam a situação. “Ainda as notas continuam divergentes, neste caso, foi criado um terceiro cenário que não condiz com os projetos que enviamos e que eles estão argumentando”.

Clique aqui para ver as notas diferentes nos pareceres enviados pela Secult.

Sobre a Lei Paulo Gustavo

A Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022) dispõe sobre ações emergenciais destinadas à cultura em decorrência dos efeitos da pandemia da Covid-19. O estado do Tocantins recebeu repasses de R$ 41,5 milhões, dos quais R$ 25,5 milhões estão sendo executados pelo Governo do Estado e R$ 16 milhões, diretamente pelos municípios.

Destaca-se que todas as situações relatadas acima foram formalmente denunciadas ao Ministério Público Federal, por meio de seus próprios agentes e produtores que se sentiram prejudicados, e que agora segue apurando o caso junto ao Governo do Tocantins.

Notas

Confira a nota na íntegra da Secretaria de Cultura (Secult):

“Todos os anexos inseridos na área do proponente na plataforma www.lpg.to.gov.br estiveram disponíveis para o acesso dos pareceristas durante o período de avaliação. Alguns casos em que os anexos foram disponibilizados por meio do Google Drive, pareceristas relataram que não foi concedida permissão, pelo usuário do link, para acessar o conteúdo – nesses casos, comprometendo a avaliação do projeto. Não há que se falar em ‘reprovação’ de projetos, visto que aos pareceristas cabia atribuir notas, cuja soma final indicaria a classificação ou desclassificação, de acordo com a nota de corte, qual seja, 54 pontos.”

“Quanto ao único proponente que procurou a Secretaria da Cultura para relatar que algum anexo não teria sido acessado por parecerista, esse foi prontamente atendido pelo secretário e integrantes da Comissão de Habilitação da Lei Paulo Gustavo. Entretanto, foi esclarecido ao proponente que tal questionamento era intempestivo, visto ocorrer fora do prazo de recurso, conforme o edital. “

“Por fim, a Secult reforça que todas as informações solicitadas pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal quanto à execução da LPG no Tocantins foram prestadas, devidamente acompanhadas de farta documentação. Dúvidas pontuais são dirimidas diretamente com os proponentes interessados.” “Reafirmamos que todos os procedimentos relativos à execução da LPG possuem instrumentos legais publicados no Diário Oficial do Estado e amplamente publicizados nos canais oficiais da Secult na Internet.”

Nota do Ministério da Cultura

Recentemente, o Ministério da Cultura teve ciência da RECOMENDAÇÃO N. 06/2024 encaminhada ao Estado do Tocantins pelo Ministério Público Federal referente à execução da Lei Paulo Gustavo no Estado. O documento traz apontamentos sobre o processo de seleção de agentes culturais para receberem os recursos oriundos da Lei, e ao final dispõe de uma série de recomendações à Secretaria de Estado de Cultura.

É importante destacar que o MinC não foi oficialmente notificado a se manifestar no procedimento administrativo, no entanto, diante dos relatos, irá acompanhar a demanda e apurar os fatos narrados.

Ainda, é necessário elucidar que as ações executadas por meio da LPG são realizadas em consonância com o Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa. Deste modo, o Ministério da Cultura repassa os recursos aos Estados, Distrito Federal e Municípios, e estes possuem autonomia para elaboração dos editais de fomento de acordo com a legislação vigente e as diretrizes repassadas pela União.

Por fim, é fundamental reforçar que com vistas a orientar os entes federativos na boa execução dos recursos e no fiel cumprimento à Lei, o Ministério da Cultura elaborou diversos documentos que constituem materiais de orientação aos Estados, Distrito Federal e Municípios. Ademais, foram realizados seminários, plantões de dúvidas e outras atividades formativas, todas disponíveis no site oficial da Lei Paulo Gustavo: https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/lei-paulo-gustavo. Destaca-se que os canais de dúvida, atendimento e suporte deste ministério continuam em funcionamento.

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