Salário Mínimo é insuficiente para pagar contas básicas

Qual é a quantia necessária para que uma família de quatro pessoas tenha condições de pagar despesas básicas, como alimentação, vestuário, contas de consumo e ainda ter a oportunidade de ter acesso a lazer? Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em março de 2023, o chamado valor ideal era R$ 6.571,52.

O salário mínimo no Brasil acabou de aumentar, desde o início de maio o trabalhador brasileiro não pode receber menos que R$ 1.320,00. Mesmo com o reajuste, o salário tem um valor bem distante da quantia indicada como necessária pelo Dieese. Para fazer esse cálculo o órgão de estatística pega como base o valor da cesta básica, em uma pesquisa feita em capitais brasileiras. Como tudo tem aumentado de preço, e o trabalhador gasta quase 60% da sua renda com a cesta básica, o poder de consumo caiu.

Para se ter uma ideia, o salário mínimo de hoje só seria o valor considerado ideal em outubro de 2002. Segundo o próprio Diese, há cerca de 21 anos, o valor do salário mínimo deveria ser de R$ 1.270,40, nessa época o valor do mínimo era de apenas R$ 200,00.

“É uma defasagem histórica e que vem reforçando a nossa desigualdade social. Nós ganhamos hoje, o que seria ideal há duas décadas, é um lapso que reforça que o mais pobre vai continuar empobrecendo. É um problema crônico e que sempre é pauta dos governos, mas é uma agenda de interesses e não são interesses da população”, analisa Fábio Fernandes, cientista político e pesquisador da desigualdade social no Brasil.

A dona Rosa Helena sabe bem como é ver o dinheiro não durar o mês todo. Ela é aposentada e ganha um salário mínimo. “Eu preciso fazer mágica para ter dinheiro para comprar comida, remédios e as contas de água, luz. Sou a única fonte de renda e tenho três filhas. Não chego a passar fome, mas no mercado é tudo contado e o único jeito é levar os produtos de segunda linha”, afirma.

Segundo o governo federal, o aumento do mínimo vai impactar a vida de 54 milhões de pessoas. Mas na casa da dona Rosa, a opinião é de que o reajuste não vai fazer tanta diferença.

“No fim das contas, para cada trabalhador não são nem vinte reais. Apesar de entender que o montante é alto, na minha realidade eu vou precisar continuar fazendo ajustes para sobreviver. A minha sorte é que eu não pago aluguel, mas não é todo mundo que tem esse vantagem”, conta.

O que explica o salário mínimo ser tão baixo?

O trabalhador provavelmente está se perguntando: se existe um estudo indicando quanto deveria ser o valor do salário mínimo, porque o valor real não chega nem perto disso? A resposta não traz esperanças de uma remuneração melhor. Para o economista Felipe Júnior para compreender esse cenário é preciso entender como o valor do mínimo é calculado e o que vai interferir na definição desse número.

“Hoje no Brasil o mínimo é estabelecido por lei. Vai valer para todos os trabalhadores que estão regularizados e trabalhando de carteira assinada. Até pouco tempo o cálculo era feito com base no Produto Interno Bruto (PIB) e a inflação. Hoje esse reajuste considera apenas o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior. E esse cálculo deve mudar já para o ano que vem. O presidente Lula sinalizou que pretende voltar ao modelo que considerava também o crescimento da economia”, afirma o economista Luciano Manhães.

Mesmo com a mudança dificilmente o salário será equiparado ao valor ideal. O especialista explica que aumentar tanto o valor provocaria demissões e o mercado de trabalho seria marcado por diversas consequências. “Tanto o setor público quanto o privado não teriam condições de arcar com um mínimo muito alto para os funcionários. A reação do mercado seria a demissão de trabalhadores, mas como as empresas precisariam continuar funcionando, as ondas de demissões reforçariam cenários de informalidade”, explica.

Outro ponto que também seria afetado são as contas públicas. O advogado previdenciário e economista Henrique Sandes lembra que as aposentadorias também são reguladas pelo valor do mínimo. “A previdência já é um assunto sensível por estar dentro de uma estrutura que já não está mais se sustentando. Com um aumento expressivo do salário, essa bolha iria estourar muito mais rápido do que estamos prevendo”.

Evolução do salário

O trabalhador entrou no anos 2000 recebendo R$ 136. 23 anos depois, o valor atual é R$1.320. Desde 1994, com o início do Plano Real, foi só no ano passado que houve o maior aumento do salário mínimo passando de R$ 1.100 para R$ 1.212, um aumento de R$ 112.

Outros anos em que também houve aumentos maiores foram em 2016 com reajuste de R$ 92 e em 2017 com um reajuste de R$ 57.

O que dá pra comprar com esse aumento de R$ 18?

O desejo do tocantinense é colocar comida na mesa e isso tem ficado cada vez mais difícil. É na hora de passar as compras no caixa do supermercado que o consumidor percebe que tem gastado mais e levado menos produtos para casa.
“Toda vez que vou ao mercado eu não consigo gastar menos de R$100. E não estou falando em levar produtos de luxo para casa e sim o básico da básico”, aponta a jornalista Marília Stein.

“Durante a semana gosto de ir comprar coisas de café da manhã, lanche da tarde. Eu saio sempre com duas sacolinhas e quando vejo a fatura do cartão, gastei muito dinheiro”, reclama o vendedor Anglêsson Santos.

A pesquisa de preços do Procon coloca na ponta do lápis toda a semana a variação dos preços em supermercados da capital. Se formos levar em conta os R$ 18 de aumento do salário mínimo, poucos produtos poderiam ser adicionados ao carrinho.

A situação fica ainda mais difícil na sessão de carnes. Por exemplo, usando o reajuste, o palmense vai conseguir levar para casa, um quilo de chambari, já que em dois estabelecimentos o Procon encontrou o quilo custando pouco mais de R$ 17.

Também é possível levar um quilo de frango ou outros cortes da ave como asa, coxa e sobrecoxa e peito. Mas é preciso pesquisar, já que existe uma grande variação nos preços. Contabilizando apenas o reajuste do mínimo dá para incluir no cardápio cortes menos nobres como a moela, alguns tipos de linguiça e salsicha.

O Procon também apontou que o reajuste não vai conseguir cobrir o valor da arroz, uma das bases da culinária no país. A pesquisa mostrou que o quilo do arroz, está entre os itens de maior valor da cesta, chegando a custar R$ 29,99. Contudo, o produto também foi encontrado por R$ 19,79.

Para incluir frutas na alimentação a alternativa é comprar opções mais baratas. Alguns tipos vão ficar de fora do cardápio por causa do preço. Entre as frutas verificadas, o quilo da pera foi um dos itens de maior valor. A Fruta foi encontrado pelo menor valor de R$ 7,99 e o maior de R$ 39,99, enquanto o quilo da ameixa possui o menor valor de R$ 11,90 e o maior de R$ 29,99. O quilo do kiwi está entre R$ 18,99 e R$ 39,99. A bandeja do morango de 250g tem preço oscilando entre R$ 10,90 a R$ 16,99. O quilo do maracujá está custando entre R$ 8,39 e R$ 13,99.

“É uma luta diária e a gente não sabe quando tudo isso vai melhorar. É muito triste você precisa escolher produtos de qualidade inferior ou então nem comprar porque não tem dinheiro suficiente e infelizmente está todo mundo nessa situação”, reclama o aposentado Márcio Lutterback.

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