Mês da Mulher: A história de Simone Portela e seu santuário com mais de 150 animais
O Jornal Primeira Página celebra o Mês da Mulher com relatos inspiradores de mulheres que dedicam suas vidas à causa animal. Entre elas está Simone Portela, 56 anos, uma mulher de carisma imenso e olhar marcado por histórias de superação, amor e dedicação. Nascida em Teresina, Piauí, Simone enfrentou desafios desde a infância. Abandonada pela família, viveu nas ruas e encontrou nos cães que a acompanhavam não apenas companhia, mas também proteção em dias solitários e difíceis.
Junto com esta trajetória de vida, muitos anos anos depois, o sonho se concretizou com a criação do Santuário Cães e Gatos Patas Felizes, no Assentamento Prata – entre Palmas e Porto Nacional. O local abriga mais de 100 cães e 50 gatos, onde Simone divide a rotina profissional e o ativismo pela causa animal.
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A História de Simone
Simone contou que se casou aos 13 anos e, aos 15, já era mãe. Seu casamento foi marcado por muito sofrimento e agressões, durando quase uma década. Após a separação, Simone lidou com o abandono da família, que rejeitou a jovem de 23 anos recém-separada, e com a perda dos próprios filhos, que ficaram com o pai.
Sem ter para onde ir, morou por quatro meses na rua, local onde a vida deu os primeiros sinais de grandes mudanças que viriam a ocorrer em sua trajetória. “Eu fui pro meio da rua, passando fome, passando sede, e quem me acolheu foram os cachorros. Eles me protegiam, pois eu estava morrendo de medo. Foi como Deus mandando os anjos para me protegerem”, falou ao Jornal Primeira Página.
“Eu não ia virar garota de programa e muito menos usar drogas. Eu sabia que Deus tinha um propósito pra mim”, disse Simone. Os cães de rua se tornaram sua companhia e proteção. “Eles me protegiam, não deixavam ninguém encostar em mim. Eu dividia o pouco de comida que tinha com eles”, contou.
A virada em sua vida veio quando uma professora a encontrou na rua e ofereceu ajuda. “Ela me perguntou: ‘O que aconteceu pra você estar aqui?’. Eu chorei, e ela me levou pra casa dela”, relatou Simone. Com o apoio da professora, conseguiu se reerguer, arrumar um emprego e retomar os estudos.
Mas o amor pelos animais nunca a abandonou. “Eu sempre botava na minha cabeça: no dia que eu tiver uma casa, vou acolher todos os que precisarem”, afirmou. Esse sonho começou a se concretizar quando conheceu Francisco Pereira, seu atual marido, com quem compartilha a paixão pelos animais. “Eu disse pra ele: ‘Se quiser viver comigo, vai ter que viver com muitos animais’. Ele topou na hora”, falou.
Assim, em 1994, o casal decidiu deixar o estado do Piauí para morar na novíssima capital Palmas, começando uma nova história. Juntos, eles construíram o Santuário Cães e Gatos Patas Felizes, no Assentamento Prata, entre Palmas e Porto Nacional.
Desde 2000, o local já abrigou centenas de cães e gatos, todos resgatados de situações de maus-tratos ou abandono. “Aqui é um lugar de amor e cuidado. Eles são criaturas de Deus, como nós. Só não falam”, disse Simone, enquanto olhava para os animais ao redor durante a entrevista.
Santuário Cães e Gatos Patas Felizes
O Santuário Cães e Gatos Patas Felizes é mais do que um abrigo: é um refúgio de amor e cuidado para animais que já sofreram demais, como define Simone. Localizado no Assentamento Prata, entre Palmas e Porto Nacional, o espaço foi criado por ela e seu marido, Francisco Pereira, em 2000.
Hoje, o santuário abriga mais de 100 cães e 50 gatos, todos resgatados por Simone e parceiros da causa animal. A maioria dos resgates, conforme relatou, acontece na rodovia TO-050, onde Simone costuma encontrar animais abandonados enquanto se dirige para o trabalho. “Eu sou concursada na Saúde Municipal em Palmas, e no caminho para o trabalho sempre encontro algum bichinho precisando de ajuda”, conta. Ela relata que muitos dos animais são deixados à própria sorte, muitos deles filhotes. “É triste, mas eu não consigo passar direto. Se eu vejo, eu paro e resgato”, disse.

Um dos casos marcantes que ela relatou foi o da cachorrinha Maria, uma filhote que Simone encontrou na rodovia. “Ela estava cheia de pulgas e carrapatos, quase entrando em anemia. Eu trouxe ela, dei remédio, tratei e hoje ela está aqui, saudável e feliz”, relatou. Outro caso emocionante foi o de um cachorro atacado por um pitbull, que teve parte do crânio arrancada. “Ele foi resgatado por uma amiga, tratado por um veterinário e depois veio pra cá. Hoje ele está gordo e feliz”, disse Simone, orgulhosa.
Manter o santuário não é tarefa fácil. A alimentação dos animais é feita com comida natural, preparada por Simone e Francisco. “Eu compro flocão de milho, pé de frango, fígado e faço uma mistura nutritiva pra eles. Ração é muito cara, então só dou nos dias mais corridos”, explica. A rotina é pesada: alimentação duas vezes ao dia, medicamentos, vacinas e cuidados constantes. “Já cheguei a dever mais de seis mil reais em clínica veterinária. Mas eu vou pagando, dividindo. O importante é cuidar deles”, disse.
Inclusive, nenhum dos 100 cães e 50 gatos está disponível para adoção. Todos, sem exceção, têm nomes, e Simone sabe apontar e dizer como cada um se chama. Segundo ela, assim que resgata o animal, o nome já vem à cabeça. “Eu olho o jeito deles, o rostinho, e aí o nome vem”, relatou.
Sobre os desafios em ser uma protetora de animais, Simone conta que já foi chamada de muitos nomes, inclusive, louca. “Já recebi nome de louca, doente. De que eu preciso é criar um menino e tudo, essas coisas, né? Deixa eu te dizer bem aqui uma coisa, eu digo para as pessoas assim: filho eu já tive. Não tenho mais. E outra, tem gente para cuidar de idoso. Tem gente para cuidar de pessoas. E tem que ter pessoas para cuidar de animais. Porque eles não vieram à toa. E eles são criaturas de Deus, igual a nós. Porque se eles falassem, nem todos os donos seriam donos deles”.
Simone conta que costuma receber doações, mas é algo que não tem acontecido com frequência, e contou que através do apoio de amigos e parceiros, consegue arcar com o principal gasto: alimentação. “Quero que seja um lugar de amor e cuidado, mas sem depender dos outros”, afirma. Para ela, o importante é garantir que cada animal tenha uma vida digna. “Eles não falam, mas sentem. E eu vou cuidar deles até o último dia da minha vida”, finalizou.
Esse mês de março é o mês das mulheres, e o Jornal Primeira Página a questionou sobre por que existem mais mulheres na causa animal. Simone respondeu que “nós, por natureza, tendemos a ser mais sentimentais e sensíveis, enquanto os homens costumam ser mais rígidos. Quando um animal morre, por exemplo, eu fico profundamente abalada, choro e revivo aquele momento várias vezes, enquanto meu marido simplesmente aceita e segue em frente. Então existe essa diferença”.
O resgate que ficou para a memória: Esperança
Entre os mais de 150 animais que hoje vivem no Santuário Cães e Gatos Patas Felizes, há uma história que Simone Portela guarda com especial carinho. É a história de Esperança, uma cachorrinha resgatada em 2021 na rodovia TO-050, um dos xodós da protetora de animais.
“A Esperança tem uns três anos que eu a resgatei aqui na rodovia, quando estava indo para o trabalho”, relembrou Simone. Ela contou o dia em que avistou a cachorrinha, magra, ferida e caminhando pelo acostamento. “Eu ia pro serviço e parei. Sempre ando com ração de gato e cachorro no carro. Botei ração pra ela, e ela devorou. Aí eu botei mais”, contou.
“Tirei ela de perto da rodovia e botei ela debaixo de uma árvore, com uma caixa de papelão. Fui pro serviço pensando nela o dia todo”, disse. A preocupação era grande, já que o local do resgate era uma curva da estrada. Simone ligou para o marido, Francisco Pereira, e pediu que ele levasse água e um paninho para a cachorrinha. “Ela ficou lá, me esperando o dia todo, como se soubesse que eu voltaria”.
Ao final do expediente, Simone retornou ao local e encontrou Esperança exatamente onde a havia deixado. “Ela ficou me esperando o dia todo. Quando eu vi aquilo, chorei. A situação dela era crítica. Eu pensei: ‘Essa daí talvez não vai escapar, está com leishmaniose”, relembrou.
Simone e Chico improvisaram uma casinha para Esperança, afastada dos outros animais, e começaram a cuidar dela. “Ela foi só se recuperando, comendo, comendo…”, disse Simone. Quando a cachorrinha ganhou forças, foi levada ao veterinário para iniciar o tratamento completo. “Hoje, ela está aqui, saudável, gorda e muito carinhosa”.
Esperança se tornou um símbolo de resiliência e, como o nome sugere, de esperança. “Ela me mostrou que, mesmo nas piores situações, há sempre uma chance de recomeçar”, reflete Simone. A cachorrinha, que um dia foi abandonada à própria sorte, hoje vive cercada de amor e cuidados no santuário, onde divide espaço com outros animais que também tiveram suas vidas transformadas por Simone e Chico.
Para Simone, cada resgate é especial, mas Esperança ocupa um lugar único em seu coração. “Ela me ensinou que, mesmo quando tudo parece perdido, sempre há uma luz no fim do túnel. E é por isso que eu continuo fazendo o que faço”, finalizou.
