SINOPSE – A Substância se consolida como o melhor filme do ano ao questionar a beleza e desafiar os padrões

Após sete anos de hiato, a diretora francesa Coralie Fargeat retorna com o impactante “A Substância”. Conhecida pelo seu olhar provocativo e original, Fargeat, que ganhou destaque com “Vingança” (2017), reafirma seu talento ao transformar “A Substância” em uma obra perturbadora e visualmente marcante, consolidando-o como um dos melhores filmes do ano. Neste novo trabalho, Fargeat continua a explorar temas de violência e opressão, mas, desta vez, lança luz sobre o mundo da beleza e da obsessão com a aparência. É uma ousada alegoria sobre a alienação feminina e os efeitos devastadores da busca incessante pela perfeição, com a diretora nos conduzindo de forma hipnótica e provocante pelos horrores de uma sociedade obcecada pela juventude e beleza.

A trama se concentra em Elizabeth Sparkle, interpretada com vigor por Demi Moore, que se expressa nas nuances dos gestos e expressões, interpretando uma atriz veterana, em busca da juventude perdida, que decide desafiar os próprios limites. Ao seu lado, Margaret Qualley surge como Sue, o alter ego jovem e hipersexualizado de Elizabeth, numa alusão perturbadora ao padrão de beleza que exalta o corpo feminino jovem, mas aprisiona a psique. A química entre Moore e Qualley reforça as tensões que o filme traz à tona, uma sátira feroz que também se presta a criticar o fetichismo da câmera masculina. A crítica ao culto da beleza é direta e vigorosa, levando a um espelho doentio sobre como a sociedade impõe pressões extremas às mulheres.

Fargeat demonstra habilidade em criar um ambiente sufocante, repleto de closes e enquadramentos que eliminam qualquer possibilidade de respiro. A câmera parece hipnotizar, quase como uma entidade que persegue a personagem em uma espiral de paranoia e autoaversão. O design de som transforma o cotidiano em uma cacofonia quase surreal: cada passo, zíper, batida e murmúrio reverberam como um ASMR distorcido, amplificando o desconforto e evidenciando o terror corporal ao qual a diretora se dedica. A mise-en-scène de “A Substância” é uma homenagem moderna ao body horror, onde Fargeat brinca com efeitos práticos e próteses grotescas, criando uma obra que se aproxima de um pesadelo distorcido.

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A cena em que a personagem Elizabeth confronta seu reflexo no espelho, hesitando em sair para um encontro, encapsula a essência do filme: uma mulher linda, mas aprisionada na imagem mental de Sue, a figura que a sociedade alega que ela deveria ser. A luta entre essas duas faces simboliza a batalha diária de muitas mulheres com o reflexo que as define aos olhos do mundo. Isso é evidenciado na obra de forma enérgica, com ângulos e cores que servem para enfatizar a hipocrisia do mundo que idolatra a juventude e descarta o envelhecimento. Essa abordagem é respaldada pela fotografia de Benjamin Kracun, cujas cores saturadas e febris refletem uma Los Angeles opressora, onde a exuberância da paisagem contrasta com o vazio das ruas.

O que a diretora faz é um espetáculo de desconforto — e que desconforto! Em muitos momentos, é possível se perder na hipérbole, mas é essa intensidade que torna este um filme inesquecível. Em uma das cenas finais, a cineasta coroa o grotesco com um clímax que ecoa clássicos do terror, mas aqui repleto de sarcasmo. É uma experiência que faz muito mais sentido no cinema, onde a tela grande maximiza cada detalhe perturbador e revela nuances que talvez passassem despercebidas no conforto do lar. Não é um filme sutil, Fargeat aposta na estética do excesso para transmitir seu recado e constrói uma crítica contundente sobre como o culto à juventude e a indústria da beleza consomem mulheres, onde a busca pela aparência perfeita se torna uma batalha contra si mesma.

É uma obra de exagero, sim, mas não se trata de um exagero gratuito; “A Substância” pulsa com uma energia voraz e indomável que transborda pela tela, oferecendo uma alegoria crua e impactante sobre os tempos em que vivemos. É um mergulho ousado e desconfortável nas pressões do mundo contemporâneo sobre o corpo feminino. É uma experiência que provoca risos nervosos e questionamentos profundos ao expor de maneira satírica a obsessão pela imagem, especialmente no último ato, que é catártico, insano e repleto de camadas visuais impressionantes. Não é um filme fácil ou que permite distanciamento – ao contrário, ele exige um espectador que esteja disposto a se ver nesse espelho distorcido, deixando um rastro perturbador na memória de quem se atrever a olha-lo.

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