SINOPSE – “O Brutalista”, de Brady Corbet, soterra a dimensão humana sob as camadas de uma grandiosidade estéril
Brady Corbet é um cineasta que não se contenta com o básico. Em “O Brutalista”, ele ergue uma obra ambiciosa, esteticamente irretocável, conceitualmente robusta, mas narrativamente defeituosa. O longa é uma ode ao que há de mais admirável e também mais frustrante no cinema autoral contemporâneo: o desejo de traduzir grandes ideias em linguagem visual. O filme parte de um conceito interessante: usar o brutalismo — estilo arquitetônico marcado por concreto aparente, geometria severa e funcionalidade radical — como metáfora para a condição humana. E não apenas como alegoria rasa, mas como estrutura de pensamento. Corbet não quer apenas mostrar paredes, ele quer que o espectador as sinta dentro de si. E, de fato, sentimos o peso delas, mas isso nem sempre é uma experiência positiva para o espectador.
No roteiro, László Tóth, vivido por Adrien Brody, é um arquiteto húngaro que emigra para os Estados Unidos após sobreviver ao Holocausto. Sua história atravessa décadas, classes sociais, muros ideológicos e traumas pessoais. Seu sonho americano é construir — e se reconstruir — num país onde os pilares da liberdade muitas vezes escondem os alicerces da exclusão. No entanto, o filme percorre esse trajeto priorizando a arquitetura da imagem sobre a fundação dramática, entregando uma obra cuja força plástica não compensa a sensação de que, sob o concreto, faltam alicerces narrativos. A frieza que sentimos nessa obra não é por acaso, o filme foi rodado em VistaVision — tecnologia que valoriza a precisão da imagem em grandes escalas. E aqui, o rigor visual é quase matemático. Cada plano é uma composição simétrica. Cada sombra, um lembrete da dor nunca cicatrizada.
A direção de arte, em harmonia com a fotografia esculpida em tons de cinza e marrom, transforma a tela numa galeria de concreto e silêncio. E, infelizmente, isso torna-se paradoxalmente sufocante. O problema é que o filme se contenta demais em ser uma exposição de estilo. A narrativa, que começa sólida, vai se esfarelando aos poucos, como cimento vencido. A montagem abrupta, os saltos temporais mal resolvidos, os personagens secundários que aparecem e somem como sombras projetadas em um paredão.Tudo contribui para uma sensação de dispersão que não é provocativa, é apenas desleixada. Sim, Brody está muito bem no papel, mas seu László é um homem petrificado por dentro e essa contenção, embora tecnicamente admirável, também esfria a conexão com o público. É uma atuação que se contempla à distância, como um bloco de mármore: perfeita, porém impenetrável.
A trilha sonora de Daniel Blumberg, inicialmente poderosa com seus metais rascantes, dissonâncias e silêncios cortantes, acompanha bem o primeiro terço da jornada. Mas, à medida que o filme se arrasta por suas três horas e meia, até a música perde sua força expressiva, tornando-se repetitiva. A obra até tenta atravessar tempo e espaço com simbolismos, mas não passa de um esqueleto arquitetônico que se gaba de sua grandiosidade. Corbet parece fascinado por estruturas — físicas, narrativas, simbólicas — mas esquece que, para além das colunas, há vidas. “O Brutalista” queria ser um filme sobre a reconstrução após o trauma, mas oscila entre querer ser um manifesto emocional e um tratado estético e social, que, infelizmente, perde o equilíbrio. As ideias estão lá, sim: migração, poder, arte, opressão, identidade. Mas são blocos soltos, empilhados com elegância, sem a liga da emoção verdadeira.
Pode até ser bonito de ver, mas nem tudo que é bonito toca. No fim das contas, o filme é como os edifícios que retrata: imponentes, simétricos, duros — e incrivelmente solitários. Prometia ser um edifício fílmico onde dor e reconstrução coexistiriam, mas preferiu ser um showroom de técnicas que pincelam momentos interessantes mas que nunca avançam. Com um ritmo lento e meticulosamente construído para espelhar a natureza monumental e quase torturante da jornada de seu protagonista, “O brutaliSta” termina por ser uma obra que deseja ser eterna mas esquece de ser humana. E que, ao tentar construir um monumento ao espírito, ergue apenas uma maquete bem acabada. De concreto, sem dúvida. Mas também sem alma.
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