“Megalópolis” representa exatamente tudo o que Hollywood não preza, e isso é bom

É difícil escrever sobre “Megalópolis” sem antes refletir sobre o que ele representa para o cinema atual. Em tempos onde a arte é, muitas vezes, sufocada pela lógica do lucro e pela necessidade de agradar grandes massas, Francis Ford Coppola entrega uma obra que vai contra a corrente. Seu filme é, ao mesmo tempo, uma utopia e um ato de resistência: um grito por originalidade em meio ao marasmo do entretenimento padronizado. Estamos acostumados ao cinema que busca a aceitação imediata, que oferece fórmulas seguras e confortáveis. Mas “Megalópolis” não se encaixa nesses moldes. É uma obra que exige do público não apenas atenção, mas disposição para embarcar em uma jornada de ideias, símbolos e provocações. E, ainda que não seja perfeito — porque, afinal, perfeição é algo que muitas vezes mata o frescor da arte —, o filme de Coppola pulsa com vida, com paixão e, sobretudo, com coragem.

Na trama, acompanhamos Cesar Catilina (Adam Driver), um arquiteto visionário e idealista, cujo sonho de construir uma sociedade mais justa e sustentável em Nova Roma, uma releitura mitológica e futurista de Nova York, o coloca em conflito direto com o prefeito Franklin Cicero (Giancarlo Esposito). Esse embate centraliza temas profundos: o choque entre progresso e tradição, justiça social e desigualdade, e o otimismo em contraposição ao fatalismo. A escolha de Nova Roma como cenário não é apenas estética; é uma declaração política. Coppola costura paralelos entre o Império Romano e os Estados Unidos contemporâneo, tecendo uma crítica à manutenção de estruturas de poder arcaicas e exploratórias. Esses elementos, mesclados a alegorias e metáforas, criam uma narrativa tão densa quanto ambiciosa, que oscila entre o discurso direto e a fantasia estilizada.                                                                                                   

Megalópolis” é um espetáculo. Uma obra que se arrisca em fazer diferente, um filme que procura originalidade e não repetição. O design de produção é nada menos que deslumbrante, com cenários futuristas cheios de relógios gigantes, elementos flutuantes e um uso vibrante de cores que parecem materializar a própria mente do diretor. A fotografia aproveita cada detalhe para enfatizar as contradições da narrativa: sombras densas que contrastam com momentos de luz quase celestial, criando uma atmosfera que oscila entre a utopia e o desespero. O elenco entrega atuações marcantes, com Adam Driver no centro de tudo. Seu Cesar é um homem dividido entre o idealismo e a frustração, e transmite isso com intensidade visceral. Giancarlo Esposito, como o prefeito Cicero, traz camadas de ambiguidade ao seu antagonista, enquanto Aubrey Plaza rouba cenas como uma jornalista femme fatale, ainda que sua personagem carregue traços um tanto datados.

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O roteiro, como era de se esperar, é tão ambicioso quanto a visão do próprio Cesar. Uma produção autoral, que permite que a visão de seu criador realmente chegue às telonas sem influência exacerbada de engravatados e do grande público. Há momentos em que a narrativa parece transbordar de ideias, algumas bem amarradas, outras deixadas pelo caminho. Esse excesso, longe de ser um defeito, é uma característica essencial da obra. Afinal, “Megalópolis” não é um filme que busca agradar. É uma obra que desafia, que provoca, que exige engajamento. E é aqui que Coppola nos entrega algo precioso: a lembrança de que o cinema pode — e deve — ser mais do que apenas entretenimento. É uma declaração de amor à Sétima Arte e ao risco criativo. Cada frame do filme carrega a marca de um cineasta que, mesmo após décadas de carreira, continua ousando, explorando e criando.

Temos que estar abertos a filmes assim, a experiências que estão além de nossa zona de conforto, e, muito sinceramente, o nome e o currículo de Francis Ford Coppola deveria ser razão suficiente pra isso. Assistir a “Megalópolis” é presenciar o diretor retornando ao seu auge. É a persistência de mais de 40 anos revelando-se como um filme visionário, ímpar, que contribui para mudanças de paradigmas cinematográficos. Uma produção independente de 120 milhões de dólares que o diretor tirou do próprio bolso, para criar uma obra cinematográfica singular, um fato cada vez mais infrequente em uma indústria artística que padroniza os filmes para comercializá-los com facilidade. A expansividade de do longa abre as portas para as discussões profundas, seus personagens representam estruturas de poder, dinâmicas sociais de corrupção, desigualdades e personificam ideias que formam os contrapontos entre o passado e o futuro.

Sim, “Megalópolis” tem suas inconsistências. Coppola não procura coerência estilística. Ele traz o bombardeio de estímulos que resvala na experiência imediata do público, que pode amar ou odiar. Mas são essas falhas que humanizam a obra. Não é uma produção que se esconde atrás de fórmulas seguras ou tenta mascarar suas imperfeições. Pelo contrário, é no risco, no erro e no exagero que encontramos a força dessa obra. Francis Ford Coppola, aos 84 anos, mostra que ainda há espaço para o cinema como arte em sua forma mais pura. E, ao fazer isso, ele nos lembra por que nos apaixonamos pelo cinema em primeiro lugar. “Megalópolis” não é apenas um filme; é um manifesto. Uma prova de que, mesmo em tempos sombrios, a arte pode ser a luz que nos guia para um futuro melhor. Francis Ford Coppola tornou Megalópolis uma experiência incomparável e que posso garantir a você, jamais vista antes.

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