Tocantins tem média de dois casos de estupro de vulnerável por dia

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública estima que no Brasil um estupro acontece a cada oito minutos. No Tocantins, só nos seis primeiros meses de 2023, foram registrados 357 casos de estupro de vulnerável. O crime é previsto no código penal e engloba menores de 14 anos.

É preciso ficar claro que na legislação brasileira não é permitido nenhum tipo de contato sexual com menores de 14 anos. Não existe consentimento antes dos 14 anos. Mas o crime de estupro de vulnerável também diz respeito a qualquer ato libidinoso praticado contra uma pessoa que não tenha condições de se defender. É o caso de pessoas doentes, com deficiência ou que por algum motivo estão sem suas faculdades mentais preservadas”, afirma a advogada Marcela Costa.

Tocantins registrou 357 casos de estupro de vulnerável. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
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No Tocantins a frequência de casos de estupro de vulneráveis tem chamado a atenção das autoridades. Um dos casos mais recentes aconteceu com uma menina de 12 anos. A adolescente que vive em Piraquê saiu de casa sozinha para participar da Expoara em Araguaína. Lá um homem que se apresentou como segurança da festa, a teria embebedado e a estuprado. A jovem foi encontrada no parque de exposições deitada em uma rede.

No mesmo fim de semana da Expoara, em Natividade, na região sudeste do Tocantins, uma mulher de 19 anos foi vítima de um estupro coletivo. O crime foi cometido por três homens em um hotel que fica na BR-010. Os criminosos têm 39, 20 e 18 anos, mas não tiveram os nomes divulgados.

Foram os funcionários do hotel que desconfiaram que algo estava errado. Eles perceberam que os três homens foram para o quarto carregando uma mulher que estava desorientada e com a locomoção comprometida. Quando a equipe do hotel ouviu gritos vindos do quarto, a polícia foi acionada. Os policiais entraram no quarto e encontraram um dos suspeitos tendo relações sexuais com a vítima.
Eles foram presos em flagrante e a mulher precisou ser levada para o hospital. Ela contou aos policiais que a última lembrança que ela tinha era da noite anterior, quando estava em uma festa na cidade de São Valério.

Em Xambioá na região norte do Tocantins, uma adolescente de 17 anos foi encontrada caída e desacordada em rua da cidade. A jovem foi vítima de um homem que a violentou. No local onde ela estava foi encontrado uma pequena quantidade de sangue.

O suspeito desse crime também foi preso, antes ele foi espancado por moradores da cidade. A população espancou o suspeito como punição pela prática da violência contra a jovem desacordada.

“Todos esses crimes mostram como a mulher está em posição mais frágil da sociedade. Apesar de termos leis, ainda assim temos homens que não se intimidam por elas e tratam a mulher como um objeto criado para satisfazer seus desejos. Nessa dinâmica de opressão nem mesmo as crianças estão a salvo”, pontua Clara Figueiredo, pesquisadora de estudos de gênero.

Prisões de estupradores são frequentes no Tocantins

Entre janeiro e junho de 2022 e o mesmo período em 2023 os casos de estupro de vulneráveis ficaram estáveis. No ano passado foram 361 registros contra 357 deste ano. Pela quantidade de casos, o número de prisões também é alto.

Apesar de vermos na mídia muitas notícias sobre prisão de estupradores, a sociedade não pode ignorar que muitos casos de estupro podem estar subnotificados. Por isso a importância de denunciar para a polícia”, alerta a advogada Marcela Costa.

Só nessa primeira quinzena de junho diversos suspeitos foram presos no Tocantins, as prisões mostram que não existe um perfil exato de quem comete esse crime, o que se pode atestar é que a maioria é formada por homens, mas as idades são variadas.

É o caso, por exemplo, de um homem de 26 anos que foi preso pela Polícia Civil no dia 12 de junho. Ele era contratado pelo município de Taguatinga para a realização do transporte dos alunos residentes na zona rural e aproveitou a situação para estuprar uma aluna de 13 anos de idade.

Também foi preso em palmas um homem de 65 anos, foragido da justiça do mato grosso. Ele é acusado pela prática de estupro de vulneráveis, tendo como vítimas, meninas entre 10 e 12 anos. Os crimes teriam sido cometidos na cidade de São Félix.

Hoje o Código Penal define como crimes contra a dignidade sexual os casos de estupro e assédio. Para estupro de vulnerável, a pena prevista é de 8 a 15 anos de prisão, sem considerar outros agravantes previstos em lei.

“Os agravantes podem se apresentar da seguinte forma, quando o estupro causa uma lesão corporal grave na vítima. Algo que gere incapacidade ou risco de morte. Nesses casos a pena pode chegar a 20 anos de prisão. Agora se o estupro causar a morte da vítima a pena pode variar entre 12 e 30 anos de reclusão”, afirma a advogada.

Vítima de estupro precisa de atendimento médico de urgência

Olhando o estupro como um problema de saúde pública, o primeiro passo é garantir que a vítima tenha acesso imediato a um atendimento de saúde. A Secretaria Estadual de Saúde (SES) promove esse atendimento de forma gratuita para qualquer vítima de estupro, independente do sexo e idade.

Esse acolhimento é realizado no SAVIS – Serviço de Atenção Especializada às Pessoas em Situação de Violência Sexual, que em Palmas funciona no Hospital e Maternidade Dona Regina, 24h por dia e não é necessário que a vítima seja encaminhada, sendo considerada uma unidade hospitalar de portas abertas.

No Savis são atendidos abusos considerados agudos que chegam até 72 horas após o ato e abusos crônicos que chegam ao serviço após 72 horas. Nessas situações envolvendo estupros e outros tipos de violência sexual, um dos principais objetivos da SES é fornecer uma atenção integral e integrada de forma humanizada e segura, de acordo com o protocolo do Ministério da Saúde e evitando a revitimização.
O atendimento é multiprofissional, sendo composto por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistente sociais, farmacêuticos e técnicos de enfermagem.

Também é importante destacar que o sigilo profissional é garantido e existe o apoio com a equipe na parte ambulatorial de até seis meses constando exames, medicações, apoio psicológico, social, imunização e em casos de gravidez decorrente de estupro é feito a APL – o Aborto Previsto em Lei até a vigésima semana.

O paciente também pode entrar em contato pelo número 3218-7786.

Saúde mental não pode ser negligenciada após um episódio de violência sexual
Depressão, fobia, ansiedade. Esses são alguns dos quadros clínicos que vítimas de estupro podem desenvolver após o crime. O Sistema de Informações de Agravos de Notificação, o Sinan, aponta que 23,5% das pessoas que vivenciaram algum tipo de violência sexual também vão ter episódios de estresse pós-traumático.

Para a psicóloga Katherine Lima, a falta de um acompanhamento adequado pode gerar sequelas para o resto da vida.

Após uma violência tão devastadora a vítima vai se fechar e muitos vezes para um mundo muito sombrio. Ela vai estar vigilante o tempo todo, achando que qualquer pessoa que se aproximar vai lhe fazer mal, ela não vai conseguir relaxar e por isso não vai conseguir dormir e o medo vai estar sempre presente”, afirma.

A especialista elenca que outros problemas também podem ser associados. “A vítima que não se trata não vai conseguir ter uma rotina funcional, não vai conseguir construir laços afetivos, não terá autoestima, o sentimento de culpa sempre estará presente” pontua.

A pesquisadora de estudos de gênero complementa informando que a cultura do estupro e tendência de culpar a vítima tendem a prejudicar ainda mais a recuperação dessa mulher ou criança que foi violentada.
“Sempre existiu uma tendência de colocar a culpa em que sofreu a violência. Esse movimento é tão perverso que quem foi estuprado pode até acreditar que sofreu a violência porque tinha bebido ou porque decidiu usar um tipo de roupa. Esse discurso não pode ser mais tolerado. A culpa nunca é da vítima”, enfatiza.

Até mesmo essa sensação de culpa pode ser tratada com uma terapia especializada. “Nós não vivemos em um país seguro para as mulheres. Por isso é importante usar esse espaço para te aconselhar. Se você foi vítima de uma violência sexual procure por ajuda. Não tente segurar essa onda sozinha. Com terapia será possível ressignificar essa trauma para que ele não se transforme em fardo tão pesado que vai comprometer toda a sua vida”, orienta Katherine.

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