Merenda escolar em Palmas: contrato emergencial de R$ 33 milhões levanta suspeitas, revolta agricultores e expõe gestão ao fogo cruzado

Uma contratação emergencial de R$ 33 milhões para a merenda escolar em Palmas, publicada no Diário Oficial no dia 14 de agosto, se transformou em crise política e social. O contrato, com projeção de execução de apenas 90 dias, representa quase o dobro dos R$ 19 milhões previstos para todo o ano de 2025 no orçamento municipal para esse tipo de despesa e deixou de fora os mais de 200 agricultores familiares que, há anos, abasteciam as escolas municipais.

A medida desencadeou um encontro tenso na sede da Secretaria Municipal de Educação, onde produtores, vereadores e secretários municipais passaram horas em discussão. Pela primeira vez em anos, os agricultores afirmaram estar completamente excluídos do fornecimento, sem vender sequer um quilo de sua produção desde o início das aulas no segundo semestre.

Agricultores à margem e dívidas atrasadas

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O encontro foi conduzido pelo chefe de gabinete da gestão municipal e contou com a presença da secretária de Educação, do chefe da Casa Civil, do secretário de Planejamento e de vereadores da capital.

Os representantes das oito associações de agricultores que, juntas reúnem mais de 200 produtores, denunciaram não apenas a exclusão da merenda, mas também dívidas atrasadas herdadas da gestão anterior e desta gestão atual.

A principal reclamação, no entanto, diz respeito ao descumprimento da Lei Federal nº 11.947/2009, que determina que pelo menos 30% dos recursos da merenda, repassados pelo FNDE, sejam aplicados na compra de produtos da agricultura familiar.

O desabafo das mulheres agricultoras

O momento mais marcante da reunião foi o desabafo emocionado de uma agricultora que representa a maior associação de mulheres produtoras de Palmas, formada por famílias que vivem da agricultura de subsistência e cultivam hortaliças sob o sol quente do Tocantins.

“Sou representante da associação mais numerosa de Palmas porque meus associados são totalmente de Palmas, sou uma associação considerada de mulher, no qual a lei nos permite ter a nossa prioridade e isso não vem acontecendo. Eu represento pessoas simples, humildes e pobres, não porque eu quero, mas porque eu fui escolhida. Assim como os senhores foram escolhidos pelo povo, eu também fui escolhida pelo povo para representar. Represento mulheres que plantam hortaliças para sobrevivência, famílias pobres, de baixa renda, que há muitos anos necessitam desse tipo de renda, do chamamento público para honrar seus compromissos. Eu acredito aqui que muitos dos seus filhos mesmo são atendidos pela rede municipal de educação e nós fornecemos. A associação tem dezessete contratos vigentes e desde que as aulas começaram, não compraram mais nada da gente, nem um quilo de cheiro verde. Desses dezessete contratos, dão um montante de R$ 396.000,00 e desse valor, nem 1% ainda foi comprado. E a resolução nos assegura que no mínimo 30% devem ser comprados. Pensando na associação que cumpre tudo, não conseguiu até agora cumprir nem 1%, será se vamos conseguir atingir os 30%?”

O relato, carregado de emoção, simboliza o drama vivido por centenas de pequenos produtores que dependem da parceria com a rede municipal para sustentar suas famílias.

Falta de transparência e contrato emergencial

Os agricultores também cobraram explicações sobre a falta de transparência no processo que levou ao contrato emergencial milionário. O contrato foi firmado três dias após o início das aulas, quando o serviço já era realizado e sem cobertura legal prévia, o que pode configurar irregularidade administrativa.

No modelo descentralizado, cada uma das 83 escolas municipais realizava suas próprias compras, resultando em um custo médio de R$ 2,00 por refeição. No novo formato emergencial, esse valor saltou para R$ 8,00 por aluno, um aumento de 300%.

“Emergencial é o que se faz quando não há alternativas. Mas neste caso havia, sim. As atas poderiam ter sido prorrogadas, garantindo tempo para um processo licitatório transparente”, afirmou a ex-secretária de Educação, Débora Guedes.

A defesa da gestão

Durante a reunião, os secretários justificaram que a medida provisória publicada em julho, que poderia ter prorrogado os contratos, “não atendia aos interesses da gestão”. Entretanto, o texto publicado ainda nos primeiros dias do prefeito interino Carlos Eduardo Velozo não foi alterado, segundo o próprio vice-prefeito, que assumiu interinamente o cargo.

A superintendente de compras da Semed, por sua vez, prometeu aos agricultores que o contrato emergencial não inviabilizará as compras da agricultura familiar e garantiu que os recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) serão utilizados para manter a participação dos produtores locais.

No entanto, os agricultores afirmam que, desde o início do segundo semestre letivo, nenhum pedido foi feito às associações.

Pressão crescente

A dispensa de licitação emergencial é prevista em lei, mas exige comprovação de urgência, limitação do prazo, justificativa da escolha do fornecedor e do preço, além de proibição de prorrogação. Especialistas apontam que o caso de Palmas não atende a todos esses requisitos.

Enquanto isso, cresce a pressão política e social. Vereadores denunciam falta de planejamento, agricultores falam em abandono e as escolas seguem sem uma resposta definitiva para um problema que começa a ganhar dimensão.

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