Opinião Vinicius Pires — Quando a conta não fecha: o que o Decreto nº 2.804/2025 revela sobre Palmas
A publicação do Decreto nº 2.804/2025, em 17 de novembro, é um daqueles movimentos administrativos que merecem ser lidos além da superfície. A decisão de congelar contratações, limitar compras, travar concursos, suspender horas extras e impor uma série de restrições até abril de 2026 não surge do nada. Ela é consequência direta de um ano em que a realidade fiscal venceu o discurso, e o caixa municipal começou a dar sinais evidentes de exaustão.
A quebra do ritmo das receitas ao longo de 2025 desmontou qualquer previsão mais otimista. FPM caiu. ICMS caiu. SUS caiu. A arrecadação do transporte coletivo foi praticamente demolida. Somando tudo, Palmas deixou de arrecadar mais de R$ 230 milhões até agosto. Esse impacto não é apenas contábil: ele corrói a capacidade do município de honrar compromissos, manter serviços e planejar investimentos. Há um ponto em que, mesmo com esforço, o equilíbrio macroeconômico deixa de ser uma escolha e passa a ser uma corrida atrás do prejuízo.
Enquanto isso, as despesas continuaram avançando em direção contrária. Gastos com pessoal, indenizações, contratos contínuos, custeio ordinário, nada disso desacelerou no mesmo ritmo em que a receita desabou. A consequência aparece claramente nos relatórios fiscais: o 1º quadrimestre ainda deu sinais de resistência; o 2º virou déficit primário; e o 3º já mostrava que a meta fiscal dificilmente seria alcançada. A gestão chegou ao fim do ano sem margem de manobra, e o decreto surge justamente como a reação tardia a uma realidade já consolidada.
É importante lembrar que essa não é a primeira vez que Palmas recorre ao expediente. No final de 2024, frente a outro risco de descumprimento da meta, a Prefeitura havia publicado o Decreto nº 2.580/2024, impondo limitações semelhantes. Agora, repete-se o roteiro, e quando o mesmo remédio precisa ser aplicado em anos consecutivos, é porque a causa de fundo não está sendo tratada. A administração parece atuar sempre no limite, como quem tenta reorganizar a casa apenas quando os alarmes começam a tocar.
Os efeitos desse tipo de medida vão muito além das planilhas. Quando decretos dessa natureza entram em vigor, quem sente primeiro é a população: obras que deixam de avançar, equipamentos que não são repostos, unidades de saúde que esperam manutenção, escolas que operam no limite, concursos suspensos, equipes reduzidas. A máquina pública entra em modo de contenção, e o município passa a operar à base do mínimo, não do ideal. Mais grave ainda é o que se projeta para o próximo ano: uma parte dessas despesas será empurrada para 2026 como restos a pagar, pressionando o exercício seguinte antes mesmo de começar.
O desafio, portanto, não está apenas em restringir gastos, mas em reconstruir a lógica do planejamento fiscal. É preciso voltar ao essencial: executar com previsibilidade, respeitar o que foi programado, rever a dinâmica do custeio, dar transparência aos contratos, e tratar as despesas não como um fluxo inevitável, mas como um processo que exige vigilância permanente. Responsabilidade fiscal não pode ser um discurso que aparece apenas em novembro, quando o caixa aperta. Ela precisa ser rotina, cultura e prática institucional.
O Decreto nº 2.804/2025 tenta sinalizar disciplina, mas revela um governo que perdeu o compasso fiscal no meio do caminho e agora tenta estabilizar o quadro às pressas. Assim como na medicina, esconder sintomas ou agir apenas diante da dor não resolve o problema, apenas o adia. Palmas precisa de planejamento contínuo, execução séria e transparência real. Precisa de uma gestão que termine o ano de pé, e não de decretos emergenciais para atravessar alguns meses.
A cidade merece mais do que sobreviver até abril. Merece uma administração capaz de chegar a dezembro com equilíbrio, coerência e responsabilidade com cada recurso público que sai do bolso do cidadão.
