AGRONEGÓCIO – Renegociação de Crédito Rural: Entre a Terra, o Banco e a Teoria da Imprevisão

Por: Júlio Prado

O campo é feito de ciclos: o plantio e a colheita, a chuva e a estiagem, a fartura e a escassez. Mas há um ciclo que se repete além da natureza: o do endividamento rural. A cada década, quando os preços oscilam, a política agrícola falha ou o crédito aperta, a inadimplência retorna às porteiras. No ano passado, segundo o Banco Central, a taxa de inadimplência do crédito rural chegou a cerca de 4,5%, o maior nível desde 2016 um dado que expõe a fragilidade estrutural do sistema.

Os motivos são conhecidos: insumos que disparam de preço, estiagens prolongadas, pragas inesperadas, queda nas commodities. Planejamentos inteiros se tornam inviáveis da noite para o dia. Some-se a isso um modelo de crédito que oferece capital, mas raramente assessoria de gestão, e o resultado é previsível: dívidas que sufocam.

Anúncio no meio do texto

É nesse ponto que a teoria da imprevisão deveria ganhar protagonismo. No direito, ela permite rever contratos diante de eventos extraordinários. No campo, nada é mais corriqueiro do que o extraordinário: chuvas que não vêm, mercados que colapsam, safras que se perdem. Ainda pouco utilizada, essa ferramenta poderia equilibrar a relação entre produtores e bancos, trazendo justiça para além da matemática financeira.

Os bancos, por sua vez, não agem por benevolência, mas por pragmatismo. Sabem que renegociar é melhor do que executar ativos improdutivos. Assim, alongam prazos, reduzem juros ou concedem descontos. Porém, a disposição varia conforme o perfil: produtores organizados, com histórico de produtividade, têm mais chances de reabrir o diálogo.

Para não ser engolido nas tratativas, o produtor precisa conhecer os instrumentos disponíveis. A Política de Crédito Rural, criada nos anos 1960, segue como marco, mas medidas recentes de repactuação diante da pandemia e de eventos climáticos abriram precedentes importantes. Saber disso é negociar com mais força.

O endividamento rural, embora comece em cada fazenda, logo se torna problema coletivo. Quando o produtor quebra, o comércio da cidade esfria, empregos se perdem e o ciclo produtivo se fragiliza. Renegociar dívidas, portanto, não é só aliviar um indivíduo: é preservar famílias, manter caminhões nas estradas e garantir alimentos na mesa.

Ao olhar para trás, percebe-se que a inadimplência do agro vem em ondas: anos 80, 90, 2000, 2010 e agora outra vez. Isso revela um tripé de causas: falhas de gestão em algumas propriedades, políticas agrícolas insuficientes e um modelo de crédito mal desenhado desde a origem.

Renegociar crédito rural, portanto, é mais do que recalcular dívidas: é reinterpretar o pacto entre campo e cidade. É reconhecer o produtor não como devedor, mas como protagonista de um setor que responde por quase 30% do PIB nacional. O futuro de um agro moderno e sustentável depende de enxergar na renegociação não um favor, mas um ato de inteligência econômica e de justiça social.

Leia também

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Vamos supor que você está de acordo com isso, mas você pode optar por não participar, se desejar. AceitarLeia mais