Realidade de pessoas em situação de rua em Palmas expõe falhas no sistema de acolhimento

Relatos de quem vive nas ruas contrastam com números oficiais da prefeitura e com a percepção de comerciantes e moradores.

Por:  Mari Silva, Deborah Medeiros e Morgana Gurgel.

Palmas registra oficialmente 204 pessoas em situação de rua, segundo dados da Secretaria Municipal de Ação Social (Semas). No entanto, a realidade encontrada em entrevistas com moradores de rua, comerciantes e trabalhadores de áreas de maior concentração desse público mostra um cenário mais complexo, e divergente dos dados apresentados pela prefeitura, marcado por promessas não cumpridas, insegurança e falhas no sistema de acolhimento.

Moradores de rua dormem pelos corredores da
rodoviária de Palmas. Foto: Primeira Página
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Vivências de quem mora nas ruas

Renan, que vive atualmente em situação de rua, relata frustrações com programas sociais que não se concretizaram. “Já veio várias pessoas, inclusive da Secretaria de Assistência Social, fazer promessas para a gente em relação justamente a moradias. Na verdade, só faz o preenchimento de uma ficha. Mas nunca chega mesmo a ter o êxito da promessa deles. Ou seja, a promessa não se cumpre”, afirmou.

Segundo ele, a última visita ocorreu há cerca de seis meses. “Saiu um residencial de moradia para pessoas que estavam nessa situação. Mas só que eles não favoreceram as pessoas que estavam na rua, e sim outras que estavam em aluguel. É tudo indicação de pessoas lá de dentro mesmo”, denunciou.

Em frente ao Banco do Brasil
na Avenida JK sempre há algum morador de rua ou alguém
pedindo dinheiro.

Para Eliton, a falta de oportunidades amplia a sensação de abandono.

“No momento, seria (necessário) uma oportunidade de moradia, um acompanhamento psicológico e um emprego”, disse.

Outro entrevistado, resumiu sua necessidade em uma única frase:

“Seria uma internação compulsória […]. Após isso, inserção no mercado de trabalho e acompanhamento. Coisa que não existe”.

Já outro morador de rua destacou a dificuldade de se encontrar emprego para quem é morador de rua, pois “devido ao calor de Palmas, durante o dia se transpira muito e eles não tem onde lavar roupas e nem tomar banho, e ninguém quer trabalhar e ficar perto de alguém com mal cheiro e mal vestido.”

Este morador relatou também que Palmas é uma cidade em que o aluguel é muito alto e somado a burocracia para locação, dificulta a saída deles das ruas.

Aflição de comerciantes e moradores

Na Praia da Graciosa, uma das comerciantes afirma sentir insegurança e prejuízos com o aumento da presença de pessoas em situação de rua. “Nunca me sinto segura aqui. É horrível para passear, porque já não é limpo, e aí eles vêm, colocam fogo, como se fosse a casa deles. Realmente, a segurança é mínima”, afirmou.

Segundo ela, a presença constante de grupos na região afastou clientes da conveniência onde trabalha. “No início, diminuiu o fluxo porque eles vinham comprar cerveja e cachaça. A gente até parou de vender porque dava muita confusão. Já houve até mortes entre eles”, relatou.

Moradia improvisada na Praia da Graciosa de um dos moradores em situação de rua.

Na rodoviária de Palmas, o funcionário Felipe Messias, que trabalha há oito anos no local, também percebe aumento de pessoas em situação de rua.

“O impacto em nossa rotina se dá principalmente pela sensação de falta de segurança, pois algumas dessas pessoas fazem uso de entorpecentes e bebidas alcoólicas. Também afetam a mobilidade, pois muitas vezes os corredores ficam obstruídos”, contou.

O presidente da associação rodoviária, Joseilton Reis Gomes, reforça: “A presença de policiais 24 horas seria essencial, e para os moradores de rua, é preciso apoio da assistência social para incluir eles na sociedade com empregos”.

O que dizem os dados oficiais

De acordo com a superintendente de Proteção Social Especial da Semas, Marlucy Albuquerque, Palmas tem hoje 204 pessoas cadastradas em situação de rua. Destas, 94 recebem o Bolsa Família. No primeiro quadrimestre de 2025, foram 164 atendimentos no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), sendo 132 homens, 27 mulheres e uma pessoa transexual.

A Semas afirma ainda que 184 pessoas estão cadastradas para acessar os restaurantes comunitários, que oferecem refeições gratuitas para essa população. Em anos anteriores, a média anual foi de cerca de 200 atendimentos.

Rede de acolhimento e falhas no acesso

Segundo Marlucy Albuquerque, a prefeitura mantém uma estrutura de acolhimento com 25 vagas em Casa de Passagem para adultos e famílias, 40 vagas em unidades para crianças e adolescentes e 20 para mulheres em situação de violência doméstica. Há ainda fornecimento de refeições diárias em marmitas e dois restaurantes comunitários.

“Nosso esforço é conciliar acolhimento e dignidade com a construção de oportunidades. A população em situação de rua precisa não só de alimentação e abrigo, mas também de acesso à saúde, educação, cultura e, principalmente, ao mercado de trabalho”.

Apesar disso, moradores de rua relatam dificuldade em acessar programas básicos. Em contato telefônico feito pelo Jornal Primeira Página com um CRAS de Palmas, foi informado que o atendimento só é possível com documentos pessoais. Sem eles, a orientação é procurar o Creas. Questionado sobre mutirões de documentação, o servidor respondeu que o último ocorreu em maio, “mas é só uma vez no ano”.

Entre os números e a realidade

Enquanto os dados oficiais apontam 204 pessoas em situação de rua, comerciantes e trabalhadores afirmam que a presença desse público é cada vez mais visível em regiões como Praia da Graciosa, rodoviária e áreas centrais. Já os próprios entrevistados em situação de rua denunciam promessas de inclusão social não cumpridas e dificuldades em acessar serviços básicos, como documentação e atendimento psicológico.

A distância entre as estatísticas e a realidade vivida nas ruas de Palmas expõe as falhas de um sistema que oferece estrutura formal, mas ainda não consegue atender de forma efetiva às necessidades de uma população em crescente vulnerabilidade.

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