OPINIÃO: os acidentes fatais e a impunidade no Tocantins

Escrito por Rafael Miranda – Jornalista DRT 1086

No último domingo (30), um acidente na capital paulistana chamou a atenção do país para um problema que não é novo: a impunidade em casos de acidentes de trânsito envolvendo pessoas influentes e de alto poder aquisitivo. O Tocantins também tem exemplos para chamar de seu e envolvem um procurador do Estado, um deputado e uma sobrinha de uma primeira-dama, como veremos a seguir.

Ainda sobre o caso que ocorreu em São Paulo, Fernando Sastre de Andrade Filho, de 24 anos, membro de uma família rica, atingiu em alta velocidade seu modelo esportivo avaliado em R$ 1,2 milhão contra o veículo em que estava Orlando da Silva Viana, de 52 anos, que morreu na hora.

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As cenas do acidente correram o Brasil e mostraram a brutalidade da batida naquela madrugada de domingo. Orlando estava trabalhando como motorista de aplicativo, enquanto o “jovem” Fernando retornava de uma partida de pôquer e alguns drinks. O amigo, Marcus Vinicius Machado, que estava de carona em seu Porsche, segue internado na UTI.

A polícia militar de São Paulo apareceu no local do acidente, mas ao invés de agir dentro do protocolo, deixou o responsável ir embora com sua mãe. Não foi realizado exame de bafômetro e nem um relato oficial sobre seu estado físico foi assinado pelos oficiais.

Embora o caso de Fernando Sastre ainda esteja no início, ele já reuniu diversos sinais do seu desfecho: impunidade (seu pedido de prisão já foi negado pela Justiça). Este acidente, embora distante geograficamente do Tocantins, nos remete para três casos que aconteceram aqui. Relembre quem são os envolvidos.

Procurador dirigia alcoolizado e matou três pessoas em Palmas-TO

O primeiro caso trata-se de um triplo homicídio decorrente de uma colisão frontal envolvendo o ex-procurador do Estado, Ivanez Ribeiro Campos, em abril de 2009 na capital Palmas. Atualmente, ele está aposentado da Procuradoria-Geral do Estado do Tocantins.

Ivanez Ribeiro, dirigindo uma caminhonete por volta das 17 horas, seguiu em alta velocidade e na contramão por 1,3 quilômetros na avenida Teotônio Segurado. O homem colidiu com um veículo sedã, onde haviam quatro ocupantes: Flávia Chaves Cardeal Oliveira, Maurilene Alexandre da Silva Carneiro, Aracy da Silva Campelo Pinto e Mozart Dimas de Oliveira.

Todas as três mulheres morreram no acidente, e o motorista, que era esposo de uma das vítimas, sobreviveu com ferimentos graves. Eles estavam a caminho de Taquaralto para um trabalho social. Antes de colidir com o veículo em que estavam estes passageiros, Ivanez quase atropelou algumas pessoas que estavam em uma faixa de pedestre, além de um motociclista, que conseguiu se desviar.

Vários relatos naquele dia apontaram que o ex-procurador estava embriagado: depoimentos de diversas testemunhas que viram o acidente, policiais militares que atenderam a ocorrência, peritos que atuaram no local do acidente e enfermeiros que o atenderam no hospital (ele apresentou apenas ferimentos leves na face).

Contudo, não foram feitos testes de bafômetro e exame de alcoolemia. Ainda no local do acidente, Ivanez apresentou a carteira de procurador do Estado e se blindou a partir daquele momento de qualquer punição futura. O próprio Tribunal de Justiça do Tocantins decidiu a seu favor durante as fases em que sua defesa tentava derrubar o caso.

Acidente envolvendo procurador ocorreu em Palmas no ano de 2009- Divulgação

A briga na justiça se arrastou por mais de uma década. Somente em 2020, 11 anos depois, o ex-procurador foi condenado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. A prisão foi substituída pelo pagamento de R$ 62,7 mil para cada uma das famílias das três vítimas, além de prestação de serviços comunitários.

Ivanez, que nunca ficou um dia sequer preso, recorreu da decisão ainda em 2020 e aguarda novo julgamento.

Deputado foi inocentado após matar motociclista próximo a Natividade-TO

Em novembro de 2010, o ex-deputado estadual e federal, Freire Júnior, logo após passar por um trevo em Natividade-TO, na BR-010, colidiu com seu carro contra a traseira de uma motocicleta e matou instantaneamente Dioge Pinto de Cerqueira, de 59 anos, que foi arremessado após a colisão.

Os dois veículos trafegavam no mesmo sentido na rodovia. Freire, que na época era deputado estadual, sequer conseguiu acionar os freios, conforme laudos do inquérito. A colisão foi com força total. O acidente ocorreu por volta das 19 horas e segundo relatos de testemunhas e do próprio ex-deputado, a moto “poderia” estar sem a lanterna traseira, o que teria comprometido a visibilidade.

O termo “poderia” foi empregado porque não sabe se procede essa sequência de acontecimentos, já que a motocicleta ficou destruída após a batida. A polícia militar compareceu ao local e liberou Freire Júnior logo em seguida. Em seu depoimento, o ex-deputado informou que foi orientado pela PM a sair, já que a família da vítima poderia lhe causar algum perigo.

Além disso, Dioge não tinha habilitação para conduzir sua motocicleta. Todo esse conjunto de fatores foi descrito em 2016, seis anos depois, pelo juiz William Trigilio da Silva em sua sentença que absolveu Freire Júnior de homicídio culposo, afirmando que foi a vítima que se colocou em situação de perigo devido as condições físicas do veículo.

Veículo que o deputado Freire Júnior estava dirigindo no acidente – Divulgação

Sobrinha de primeira-dama furou sinal vermelho em acidente em 2015

Outro caso ocorreu na capital Palmas em dezembro de 2015, quando Mayra Pagani Almeida (na época com 27 anos), sobrinha da ex-deputada federal e ex-primeira-dama, Dulce Miranda, avançou um sinal vermelho e atingiu uma moto onde trafegavam duas mulheres. Naquele ano, Marcelo Miranda havia assumido, novamente, o Palácio Araguaia.

O acidente ocorreu em um domingo, por volta das 17 horas. A colisão foi em um cruzamento da Avenida Teotonio Segurado com a LO-05, próximo ao Espaço Cultural, e matou instantaneamente Sarah Leylâne da Silva Sousa (25 anos) e feriu Sheudile Rodrigues de Oliveira (na época com 19 anos), que estava grávida. Sarah era casada e mãe de um garoto de três anos.

Assim como Fernando Sastre em São Paulo, que evadiu do local do acidente e escapou do teste de bafômetro, Mayra também não foi submetida aos exames, nem mesmo o de alcoolemia após o acidente. Ela, na verdade, foi encaminhada para o Hospital Geral de Palmas por estar “em estado de choque”, conforme relatos da época.

Um dia após o acidente, Mayra foi ouvida na delegacia de crimes ambientais de Palmas (não se sabe o motivo desta delegacia ter sido a escolhida) e estava acompanhada de um advogado. Ela negou que avançou sinal vermelho. Depois da oitiva, saiu pela porta da frente da delegacia. Ela nunca passou um dia sequer presa.

Contudo, Camila Boa Ventura Nascimento, uma testemunha que presenciou o acidente no exato momento, afirmou “categoricamente” em depoimento na polícia que o sinal estava vermelho para a sobrinha da ex-primeira-dama.

A perícia no local, entretanto, não conseguiu apontar nenhuma causa que acarretou no acidente. Os peritos assinalaram somente que os semáforos estavam funcionando corretamente.

A denúncia do acidente de Mayra Pagani foi recebida na Justiça em fevereiro de 2017 e somente em maio de 2018, saiu a sentença do crime: condenação em regime aberto de dois anos e quatro meses, convertidos integralmente em horas de serviços comunitários prestados para a Liga Feminina de Combate ao Câncer.

Mayra também teve a carteira de habilitação suspensa por seis meses e pagou a quantia de R$ 7 mil para a família de Sarah Leylâne.

A outra vítima deste acidente, Sheudile Rodrigues, ficou internada no hospital para tratar dos ferimentos causados pela batida. Foi lá que descobriu sua gravidez em estágios iniciais. Nove meses depois, nasceu uma menina, que recebeu o nome da amiga morta como forma de homenagem.

Mayra Pagani (carro branco) avançou sinal vermelho em avenida de Palmas – Divulgação
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