OPINIÃO: Meu Primeiro Natal

Por João José Leal

Meu primeiro Natal guardado na memória, aconteceu em Tijuquinhas, situada à beira-mar, no município de Biguaçu. Dali, sobre a linha das águas salgadas da Baía Norte, podia-se ver o contorno esmaecido do casario que se debruçava sobre as calçadas e ruas estreitas da então provinciana Floripa. Da bela paisagem marinha, destacava-se a silhueta aramada da Ponte Hercílio Luz, obra de engenharia já centenária.

Não é uma grande distância. Não mais, talvez, de 12 kms em linha reta. No entanto, a capital parecia longe do alcance de quem vivia numa localidade, àquela época, isolada de tudo. Para viajar à capital era preciso ir de carroça a Biguaçu e de lá pegar o ônibus, numa viagem de quase uma manhã inteira.

Naquele primeiro Natal, creio que eu tinha seis anos. Na mudança de Tijucas para a pequena e quase-nada Tijuquinhas, minha Mãe não esquecera de levar o singelo presépio da família. Era preciso preservar a tradição cristã e reverenciar – a cada 25 de dezembro – o nascimento de Cristo. Nossa casa, que passou por algumas reformas, ainda se encontra no mesmo local. Mas, com a vista da verticalizada Floripa de hoje encoberta pelo aterro levantado para a construção da BR-101.

Na véspera daquele já longínquo Natal, meu pai fechou a venda mais cedo. Logo que escureceu, a pequena sala de nossa casa – fracamente iluminada pela luz de velas e de um lampião – além da família, foi tomada por alguns fregueses, humildes agricultores e vizinhos, convidados a participar da cerimônia natalina, todos curiosos para contemplar a magia celestial do presépio.

Em cima de uma mesa, serpenteava um improvisado caminho, em meio a pequenas pedras, a improvisadas colinas e a uma pastagem de musgo onde estavam deitadas as “ovelhas” do bom pastor. Tudo ornamentado com barba de velho e gravatás.

No canto junto à parede, a cena da natividade: pequenas e toscas imagens em gesso do humilde São José, com seu ar circunspecto de pai-idoso; a Virgem Maria com seu olhar de pura serenidade e, no centro, o Menino Jesus, deitado num humilde berço, de braços abertos como a dizer que estava chegando para redimir uma Humanidade cheia de vícios e pecados.

Na singela cena, não poderia faltar ainda a imagem do burro, que trouxera a Virgem Maria, de Nazaré a Belém e que possibilitou a fuga salvadora do massacre infantil ordenado pelo sanguinário Herodes, então Rei da Judeia, inundada pelo sangue de inocentes criancinhas. Não faltaram, também, as figuras dos humildes pastores que trouxeram os primeiros alimentos para o sustento da família-mater da cristandade.

Depois das orações, foi entoada a tradicional e bela canção Noite Feliz, puxada por minha irmã mais velha que estudava interna no colégio de Tijucas e que tinha a voz mais afinada. Fora ela, também, a principal responsável pela montagem do presépio, naquele momento mágico e singelo contemplado pelo olhar extasiado, de profunda admiração e devoção, por aquelas pessoas tão humildes e pobres – agricultores ou pescadores – quanto a própria cena da Natividade ali representada.

Naquele momento mágico, a singela representação da Natividade, simbolizada por toscas imagens pintadas em gesso e envoltas por uma ornamentação de musgos, barbas-de-velho e gravatás, exercia um ingênuo e profundo fascínio naquelas pessoas — pobres agricultores e pescadores — vivendo tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe do progresso. das novidades e dos feitiços da capital.

Ao leitor desta crônica, Feliz Natal.

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