“O amor não termina com a morte, só se transforma”; psicóloga explica o impacto do Dia de Finados no processo de luto
No Dia de Finados, a memória de quem já morreu costuma ocupar um lugar mais visível na rotina das famílias, seja em visitas ao cemitério, em rituais íntimos em casa ou apenas no silêncio da saudade que a data desperta. Em entrevista ao Jornal Primeira Página, a psicóloga e terapeuta do luto Aline Dengo explica que esse não é apenas um dia simbólico do calendário religioso. É um marco emocional coletivo.
Segundo ela, o dia 2 de novembro funciona como um “luto compartilhado”, mesmo para quem já vive um processo individual de elaboração da perda. Aline explica que o impacto emocional se intensifica porque a data cria um ambiente social em que a ausência é lembrada por todos ao mesmo tempo.
“É como se fosse uma comunidade de pessoas enlutadas que, nesse dia, estão parando para relembrar”, diz. Para muitos, o simples volume de referências à morte (flores, velas, reportagens, homenagens e campanhas) já é suficiente para reabrir dores que pareciam estabilizadas.
Como o luto funciona
Para explicar como o luto se desenvolve, Aline afirma que ele não é um processo linear nem previsível, e cada pessoa reage de forma diferente à perda. Ela organiza o enfrentamento do luto em quatro tarefas, que ajudam a compreender esse caminho emocional:
- aceitar a realidade da perda
- viver a dor da ausência
- reorganizar os papéis na rotina
- atribuir um novo sentido à vida
“A primeira tarefa é aceitar a realidade da perda. Por mais que a gente saiba racionalmente que a pessoa faleceu, emocionalmente é muito difícil incorporar essa nova realidade”, afirma.
Na etapa seguinte, o sofrimento ainda é intenso, mas passa a dividir espaço com a adaptação prática: quem assume as atividades da pessoa que se foi, como se reorganiza a rotina, o que muda dentro da casa e da identidade de quem permanece. Só depois desse processo é possível encontrar uma forma de seguir vivendo com a memória, não sem dor, mas com menos ruptura emocional.
Luto não tem prazo
A psicóloga reforça que não existe tempo universal para o luto terminar. Não há “modelo de relógio emocional”. O ritmo da recuperação depende do vínculo com quem morreu, da circunstância da perda e das percepções individuais. “A gente fala em intensidade e frequência. A tristeza é normal, mas quando ela impede a pessoa de viver, comer, trabalhar, se relacionar, isso já indica um alerta”, explica.
Crenças, idade e vínculo interferem
Aline aponta que a forma como cada pessoa atravessa o luto também está ligada à fase da vida, ao grau de afetividade e às crenças que sustentam o sentido da morte. Pessoas idosas tendem a ter mais resiliência porque já passaram por outras perdas. Crianças absorvem a morte por meio de explicações mágicas. Jovens podem reagir com revolta ou sensação de injustiça. E adultos costumam encarar a perda com o peso das responsabilidades interrompidas.
A espiritualidade, quando bem compreendida, costuma funcionar como apoio, mas pode se tornar fonte de sofrimento se interpretada com culpa ou obrigação: “As pessoas que têm uma espiritualidade acabam encontrando sentido com mais facilidade. Mas isso depende de como essa crença é vivida”, afirma.
Como atravessar o Dia de Finados
A psicóloga defende que ignorar a data costuma ser mais danoso do que enfrentar o desconforto. Criar um ritual (seja acender uma vela, escrever uma carta, visitar o túmulo ou apenas falar sobre a pessoa) pode ajudar no processo. “Quando se tenta fingir que o dia não existe, normalmente é uma forma de não entrar em contato com a realidade da perda”, explica.
Ela também orienta que familiares e amigos priorizem gestos práticos, e não frases prontas. “Não há nada que consola alguém com palavras. Às vezes, ajudar com uma tarefa da casa ou levar uma comida é muito mais apoio do que dizer ‘fica bem’.”
Para quem enfrenta o primeiro Finados após a perda
“Acolha todo o sentimento que vier”, recomenda Aline.
“Se prepare para esse dia: pense onde vai estar, com quem, como vai pedir ajuda se precisar. A primeira vez dá medo, porque a gente ainda não sabe qual vai ser a nossa reação emocional.”
Mesmo quando a dor parece definitiva, ela lembra que o vínculo não se desfaz: “Apesar da perda, o amor continua. Só que de uma forma diferente.”
