Justiça Federal condena o Conselho da OAB-TO a indenizar Delegado de Polícia

A Justiça Federal do Tocantins, através da 2ª Vara Federal Cível, condenou o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Tocantins ao pagamento de uma indenização no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título de reparação por danos morais ocasionados contra o Delegado Luís Gonzaga da Silva Neto, titular da 26ª Delegacia de Araguaína – TO. Na mesma sentença, o Juízo Federal declarou a nulidade do desagravo, proferido contra a autoridade policial, aprovado pelo Conselho Seccional referido tendo em vista a ilegalidade do ato.

No dia 17/04/2023, o Dr. Luís Gonzaga, Delegado de Polícia Civil titular da 26ª Delegacia de Araguaína, impediu o advogado Victor Gutieres Ferreira Milhomem de acompanhar os depoimentos de testemunhas em um inquérito policial sobre crimes sexuais cometidos pelo ex-secretário de esporte, cultura e lazer de Araguaína. Esse inquérito já foi concluído, e o ex-secretário foi indiciado por perseguição (stalking), importunação sexual e assédio sexual contra mulheres que eram suas subordinadas na secretaria que ele comandava.

O Delegado agiu com base no art. 7º, inciso XXI, da Lei nº 8.906/1994 – Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, que garante o direito do advogado de assistir seus clientes investigados durante a apuração de infrações. Além disso, conforme a Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal, é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova já documentados em processo investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, desde que digam respeito ao exercício do direito de defesa. Portanto, o advogado tem direito apenas ao acesso a elementos de prova já documentados, não à diligência em curso, como no caso em questão.

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Inclusive, na Petição de nº 7.612/DF, o ministro Gilmar Mendes sustentou corretamente o seguinte: “Destaco que a norma do artigo 7º, XXI, da Lei 8.906/94, prevê a assistência dos advogados aos investigados durante a realização dos interrogatórios e depoimentos de seus clientes, não estendendo essa prerrogativa aos depoimentos e interrogatórios dos demais investigados e testemunhas”. 

Para reforçar mais ainda a decisão tomada pelo Delegado Luís Gonzaga, prevê o §11 do art. 7º da Lei nº 8.906/1994 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, in verbis: 

Art. 7º (…) § 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências. 

No dia 25/04/2023, o Conselho Seccional da OAB Tocantins notificou o Delegado sobre a abertura de um procedimento de desagravo, concedendo-lhe um prazo de apenas 5 dias para se defender. Após o término desse prazo, em 25/05/2023, o Conselho Seccional aprovou o desagravo, que foi realizado em frente ao Complexo de Delegacias da Polícia Civil de Araguaína em 11/08/2023, com ampla divulgação nas redes sociais e sites de notícias da instituição, inclusive com transmissão ao vivo em sua conta.

Tendo em vista a ilegalidade do desagravo, através da advogada do Sindicato dos Delegados de Polícia do Tocantins – Sindepol/TO, o Delegado Luís Gonzaga moveu uma ação na Justiça Federal pleiteando a anulação do ato e o pagamento de indenização por danos morais, pedidos que foram integralmente acolhidos pelo Juízo da 2ª Vara Federal Cível.

Em sua contestação, a OAB/TO sustentou que o desagravo não se submete a controle jurisdicional e nem a observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, argumentos que foram rechaçados pelo Juiz Federal sentenciante. Nas palavras do Juiz Federal: “A Ordem dos Advogados do Brasil não se qualifica como uma potestade superior, acima do bem e do mal, e insubmissa ao direito brasileiro posto (…), submete-se inteiramente às leis do país”. 

Neste ponto ainda, na palavras do Juiz: “Nesse contexto, tenho por inteiramente impertinente a pretensão da OAB de se colocar acima de tudo e de todos, não se submetendo a controle jurisdicional, ao devido processo legal, a observância do contraditório e da ampla defesa, como fez consignar em sua contestação”.

A sentença reconheceu que o desagravo contra o Dr. Luís Gonzaga violou o devido processo legal, causando graves danos à sua reputação funcional. No caso, deveria ter sido concedido um prazo de 15 dias para que o Delegado prestasse os esclarecimentos necessários. No entanto, foi dado um prazo exíguo de apenas 5 dias, o que foi considerado insuficiente e ilegal.

O Conselho Seccional da Ordem dos Advogados alegou não se submeter ao crivo do devido processo legal, argumento novamente rechaçado pelo Magistrado Federal:

“A alegação do CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS de que não se submete ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa por óbvio não merece ser acolhida porque contrasta as garantias constitucionais fundamentais, viola o Estatuto da própria entidade e constitui menoscabo à própria missão institucional da Ordem dos Advogados do Brasil como entidade responsável pela defesa da ordem jurídica. A submissão da aprovação do desagravo ao devido processo legal tem por finalidade assegurar que a manifestação do pensamento corporativo não seja exercido de forma abusiva e que os fatos que ensejaram a manifestação expressem a verdade”.

Noutro trecho da Sentença, o Juiz ressalta a negligência e imprudência do Conselho Seccional da OAB:

“Nesse contexto, observo que o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil agiu com extrema negligência e imprudênciana hipótese dos autos porque a partir de procedimento maculado pelo desrespeito ao devido processo legal, aprovou ato de desagravo em desfavor do ora postulante, imputando-lhe a pecha de autoridade ofensora de prerrogativas da OAB. O fato assume especial gravidade porquanto a exposição midiática da aprovação do desagravo foi levada à internet, com potencialidade de ser reverberada em redes sociais e ser acessada por milhões de pessoas por meio da rede mundial de computadores”.

No que se refere ao direito a receber uma indenização por danos morais, o Juiz Federal explica na sentença:

“No caso concreto, a reputação pessoal e funcional do Delegado demandante foram afetadas pela exposição midiática de fatos ligeiramente apurados pela OAB/TO, a partir de procedimento que manifestamente relegou a plano de menor importância o exercício do contraditório”.

Nas palavras do Dr. Luís Gonzaga: “A sentença proferida pela Justiça Federal revela claramente a ilegalidade cometida pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Tocantins no ato de desagravo contra a minha pessoa e ilegalmente atacando a minha reputação e imagem. Atuo como Delegado de Polícia há quase 7 (sete) anos neste Estado, onde sempre trabalhei dentro da legalidade e respeitando todas as partes envolvidas em investigações no âmbito dos inquéritos policiais que presidi e presido, sejam vítimas, testemunhas, investigados, advogados, etc. A verdade sempre estará do lado certo, acredito na Justiça e hoje ela apareceu e espraiou o seu lumiar sobre o meu rosto”. 

Em nota a OAB Tocantins manifestou-se a respeito da decisão da Justiça Federal.

Nota OAB Tocantins

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em apoio à Seccional da OAB Tocantins, interporá recurso contra a decisão da Justiça Federal que anulou o desagravo realizado contra o delegado de polícia, Luís Gonzaga da Silva Neto, da cidade de Araguaína por ter desrespeitado as prerrogativas de um advogado, considerando ilegal o dispositivo do Regulamento Geral da OAB que rege o procedimento. 

O anúncio foi feito pelo presidente do Conselho Federal da Ordem, Beto Simonetti, em companhia do presidente da Seccional Tocantins, Gedeon Pitaluga.

 O referido delegado de polícia foi envolvido em desagravo realizado no dia 11 de agosto de 2023, após impedir o acompanhamento do advogado de uma das testemunhas durante a tomada de um depoimento.

A OAB-TO informa que a decisão de anular o desagravo fere frontalmente o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) e a independência da OABTO, que garante o livre direito de manifestação do ato de desagravo no seu artigo 7*, inciso XVII, e artigo 18 e segs do Regulamento Geral da entidade. 

A voz da advocacia não se calará e a OABTO atuará com rigor em defesa intransigente das prerrogativas da advocacia tocantinense.

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