Cuidar também é tratar: entre avanços e esperas, o desafio do câncer no Tocantins
O câncer segue como uma das principais causas de morte no Tocantins e no Brasil, exigindo do poder público um sistema de saúde capaz de garantir diagnóstico rápido, tratamento contínuo e acolhimento digno. Em Palmas, pacientes convivem com duas realidades opostas: de um lado, o avanço de estruturas como o Hospital de Amor; de outro, a superlotação e as condições precárias do Hospital Geral de Palmas (HGP), principal unidade pública de referência oncológica do estado.
Quem passa por ali relata longas esperas, falta de climatização adequada nas enfermarias, alimentação de baixa qualidade e sobrecarga nas equipes. Mesmo com profissionais dedicados, a estrutura física e o volume de pacientes tornam o tratamento mais difícil, mais demorado e, muitas vezes, mais doloroso.
Em escala global, o câncer também representa uma perda social e econômica expressiva. Segundo estudo da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) e do Instituto Nacional de Câncer (INCA), publicado em 2024, a doença causou 3,6 milhões de mortes prematuras em 2022, resultando na perda de 41,4 milhões de anos de vida produtiva e US$ 584 bilhões em prejuízos econômicos. No Brasil, foram registradas 107 mil mortes em pessoas de 15 a 64 anos, com perdas estimadas em US$ 7,4 bilhões, reflexo direto da desigualdade no acesso ao diagnóstico e tratamento, especialmente entre mulheres.
Quando o diagnóstico muda tudo
O toque que salvou a vida da professora Marileide Morais Rodrigues, de 55 anos, reforça o que médicos e campanhas de prevenção repetem todos os anos: o autoexame é um gesto simples que pode antecipar o diagnóstico e aumentar as chances de cura.
Marileide descobriu o câncer de mama em 2021, de forma inesperada, e graças ao toque.
“Eu senti um caroço quando fui guardar a Bíblia debaixo do colchão. Foi uma coisa de Deus. No mesmo dia, procurei o médico. Em menos de uma semana, já tinha o diagnóstico confirmado”, lembra.

Professora Marileide Morais Rodrigues, de 55 anos – Foto: Arquivo Pessoal
Ela conseguiu realizar todo o tratamento pela rede particular, mas, durante as sessões de radioterapia, conheceu mulheres que não tiveram a mesma sorte.
“Eu via pacientes do SUS que esperavam meses por exames. Algumas só descobriam o câncer quando já estava avançado. Era triste ver tanta demora”, relata.
Para ela, o tempo faz diferença. “Quando o diagnóstico vem cedo, o tratamento é mais leve, menos invasivo. Muitas mulheres poderiam evitar uma cirurgia mais radical se tivessem descoberto antes.”
Tratamento que ainda depende do CEP
O Ministério Público do Tocantins (MPTO) reconhece avanços, mas alerta para as desigualdades entre quem vive na capital e quem mora no interior.
A promotora Araína Cesar Ferreira dos Santos da Alessandro, que atua na 27ª Promotoria de Justiça da Capital na área da saúde, explica que o acesso ao tratamento ainda não é igual para todos.
“Os pacientes de municípios menores enfrentam mais dificuldades, especialmente pela distância e pela falta de diagnóstico precoce. Em Palmas, os serviços estão concentrados, mas no interior ainda há longas esperas e deslocamentos cansativos”, afirmou.

Entrevista com Araína Cesar Ferreira dos Santos da Alessandro, que atua na 27ª Promotoria de Justiça da Capital na área da saúde – Foto: Reprodução.
Segundo ela, o MPTO acompanha a implantação da Política Nacional de Humanização dentro do Hospital Geral de Palmas (HGP), principal unidade pública de referência em tratamento oncológico do estado.
“O sistema precisa garantir não só o tratamento técnico, mas um cuidado que acolha o paciente com dignidade em todas as etapas”, disse a promotora.
Dentro do HGP: 1.200 pacientes em acompanhamento
A Secretaria de Estado da Saúde (SES-TO) informou que o HGP, por meio da Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON), realiza mais de 4 mil consultas mensais em diferentes especialidades e acompanha cerca de 1.200 pacientes ativos em tratamento.
De janeiro a setembro de 2025, o hospital registrou 24.174 consultas médicas, 25.499 procedimentos de enfermagem, 708 internações e 202 cirurgias oncológicas.
Os atendimentos incluem Oncologia Clínica, Oncopediatria, Mastologia, Oncohematologia e Cuidados Paliativos, entre outros.
As salas de quimioterapia contam com 22 posições para adultos e 11 para crianças, e os procedimentos de radioterapia e braquiterapia são realizados por meio da clínica conveniada Irradiar.

Hospital Geral de Palmas – Foto: Divulgação
A estrutura da unidade inclui consultórios, farmácia oncológica, nutrição, psicologia, odontologia e serviço social, além de atividades de humanização com voluntários que levam música, leitura e lanche solidário aos pacientes.
“O acolhimento é multiprofissional, pensado para dar conforto e segurança”, destacou a SES-TO, em nota.
“O câncer mobiliza toda a família”
Na outra ponta do tratamento, a Liga Feminina de Prevenção e Combate ao Câncer de Palmas atua há décadas oferecendo apoio a mulheres em tratamento. A instituição, presidida por Edilene Martins e coordenada por Cleide Brandão, acompanha mais de 300 pacientes em vulnerabilidade social com cestas básicas, kits de higiene e acolhimento emocional.
“O câncer não atinge só o corpo. Ele abala toda a família. Nosso papel é estar junto, ouvir, acolher e dar esperança”, explica Cleide.

Entrevista com Cleide Brandão – Foto: Reprodução
Durante o Outubro Rosa 2025, a Liga intensificou palestras em escolas e empresas com o tema “Amor que salva”, reforçando a importância do diagnóstico precoce.
“Uma em cada oito mulheres pode ter câncer de mama. Quando descoberto cedo, há 90% de chance de cura. Nosso trabalho é alertar e cuidar”, completa.
Hospital de Amor se prepara para ampliar atendimentos
Referência em rastreamento oncológico desde 2021, o Hospital de Amor Palmas realiza entre 150 e 200 atendimentos diários, especialmente exames de mamografia e papanicolau. Segundo o gerente da unidade, Gustavo Ruza, a expectativa é iniciar tratamentos completos, com internações, cirurgias e radioterapia, até o início de 2026.
“Hoje já realizamos quimioterapia e exames complementares. A meta é que o paciente possa fazer todo o tratamento aqui, sem precisar ir para outros estados”, afirmou.

A unidade, que possui 14 mil m² de área construída, está em fase de ampliação de mais 8 mil m², com 84 novos leitos, seis salas cirúrgicas e dez leitos de UTI – Foto: Rondinelli Ribeiro/Ascom/TJ
O projeto é mantido por doações, emendas parlamentares e parcerias sociais.
“O hospital só existe graças à solidariedade das pessoas. Cada contribuição vira esperança para quem está lutando pela vida”, destacou o gerente.
Papel do MPTO: garantir dignidade no tratamento
O Ministério Público do Tocantins conduz ações estruturantes para garantir o atendimento integral previsto no Estatuto da Pessoa com Câncer, cobrando do Estado melhorias na assistência farmacêutica e na estrutura dos serviços.
“O nosso trabalho é fazer com que o tratamento não dependa da sorte de encontrar uma vaga ou de estar na capital. Todo cidadão tem direito à mesma qualidade de atendimento”, reforçou a promotora Araína.
Ela cita a necessidade de unificar os serviços oncológicos em uma estrutura única e fortalecer a atenção primária, para que o diagnóstico seja mais rápido.
Entre o medo e a esperança
Para quem enfrenta o câncer, o tratamento não é apenas físico. É emocional, social e, muitas vezes, solitário.
Marileide diz que venceu o medo com fé e apoio. “Não é fácil, mas o amor salva. Quando você se sente acolhida, tudo muda. E quando o Estado também faz sua parte, a cura vem mais leve.”
Entre as máquinas e os remédios, o que mais falta, e o que mais cura, continua sendo o mesmo: o cuidado humano.
