“Bate tambor no pé do babaçueiro”: o samba-enredo que vai levar as quebradeiras de coco para o carnaval paulistano
“Quebra-coco, quebradeira, ô quebra-coco com orgulho de quebrar”. Assim é uma parte do refrão do samba enredo da Pérola Negra, escola de samba do carnaval paulistano fundada em 1973 e que vai homenagear neste ano as mulheres quebradeiras de coco de babaçu no sambódromo do Anhembi, essas personagens únicas que fazem parte da teia social, econômica e popular do Tocantins.
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As quebradeiras são grupos formados por mulheres de comunidades extrativistas presentes também nos estados do Maranhão, Pará e Piauí. A formação dessa atividade, que se entrelaça com a cultura de toda essa região, teve origem quando “a preta e a índia iniciaram essa tal de catação”, como indica o próprio samba, revelando uma prática que remonta às raízes indígenas e africanas no Brasil.
Com o enredo “Pérola no Encanto dos Balaios das Quebradeiras”, a escola de samba vai desfilar no dia 11 de fevereiro pelo Grupo de Acesso 1. Quem assina a canção são os compositores Liso, Rogerinho Tavares, André Ricardo, Professor Oderlan, Professor PH, Chacal do Sax, Myngau.
Contudo, a ideia de levar essa ancestralidade para o sudeste do Brasil partiu do enredista da Pérola Negra, Neon Danuta Colaco, que, graças ao jornalismo, conheceu a história das quebradeiras pelas reportagens premiadas de Helen Martins, do canal Globo Rural.
Neon Danuta, em entrevista ao Jornal Primeira Página, começou dizendo que foi feito um combinado com as quebradeiras para levar essa história ao sambódromo. “Recebemos uma orientação muito importante delas para fazermos um carnaval muito alegre, e é isso que estamos fazendo. Para elas, não existe essa penosidade na tarefa. Para as quebradeiras, isso é orgulho e um modo de vida. A penosidade que elas enfrentam existe com os fazendeiros que as impedem de acessar os pés de babaçu.”
A fala de Neon Danuta se conecta com a realidade de muitos desafios e até violência com que as quebradeiras lidam na vivência dessa atividade. Mesmo amparadas por legislação nestes estados, que garante o acesso dentro de fazendas e latifúndios para a coleta dos cocos que caem das palmeiras, elas sofrem perseguições, intimidações e preconceitos.
O enredista, junto com o carnavalesco André Marins, antes de iniciarem os trabalhos nos barracões da Pérola Negra, entraram em contato com o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), essa organização que “representa os interesses sociais, políticos e econômicos, dando às mulheres a possibilidade de serem vistas e reconhecidas”, conforme descrito em seu website.
“Todos nós brasileiros temos que defender o babaçu. Temos esse coco como alternativa para muita coisa. Essa é uma forma de chamar atenção também para o açaí, o dendê e a pupunha que são outras palmeiras, assim como o babaçu. Nosso enredo é sobre as quebradeiras, mas queremos homenagear todas as mulheres”, destacou Neon.
O movimento das quebradeiras
A quebradeira Maria Ednalva Ribeiro, que é vice-coordenadora geral do MIQCB e coordenadora executiva da Regional Tocantins, foi uma das muitas mulheres da região do Bico do Papagaio, no norte do Estado, que tiveram a oportunidade de remodelar sua formação política com figuras importantíssimas como Padre Josimo e Dona Raimunda Quebradeira, hoje lendas eternizadas no folclore popular e na luta pelos direitos dos povos tradicionais.
Em entrevista ao Jornal Primeira Página, Maria Ednalva comentou sobre o reconhecimento e a repercussão que virá a partir da apresentação da Pérola Negra no carnaval de 2024. “Para nós, esta escola de samba levar as quebradeiras de coco para o desfile de carnaval é um grande privilégio. É uma forma de divulgar para o mundo inteiro que existe o coco de babaçu ainda no mundo; em vários estados ainda tem o coco, ainda tem as quebradeiras trabalhando. Não queremos ser retratadas como coitadas que vivem na miséria. Temos muito orgulho e também fazemos parte desta luta.”
As quebradeiras possuem como fonte de renda familiar a coleta e quebra do fruto do babaçueiro, a fim de separar a amêndoa da casca. A semente do coco babaçu é oleaginosa, sendo utilizada como matéria-prima para diversos produtos, além de servirem de alimento para as quebradeiras e suas famílias. A casca que sobra, juntamente com a palha da palmeira, também tem destinação dentro da economia circular e sustentável que envolve o babaçu.
Dona Maria Ednalva, com a propriedade de quem vive o campo e a ancestralidade das matrizes culturais do Brasil, denuncia sem medo os desafios que vivem as quebradeiras, sonorizados agora nos batuques do samba enredo da Pérola Negra.
“Os governantes devem nos ajudar nesta batalha, na luta pela mata e preservação do babaçu. Parem de envenenar as matas que temos; o desmatamento está descontrolado, o veneno que jogam nas matas prejudicam também o ser humano. Tudo está envenenado, os grandes têm que ver esse lado e preservar o meio ambiente”, falou.
A Pérola Negra não se furta de representar no samba essa luta que corre nas veias das quebradeiras. “Agô, meu pai, agô ao povo da mata, proteção na vida em busca do sustento, “muié” a cantoria dá o tom” e “é sangue na veia da catadeira que jamais arreda o pé. Resistência, fruto farto do lugar Patrimônio, “Rei” a preservar” dão o tom para as várias camadas que se inserem nesse universo.
O carnavalesco André Marins, fechando esta reportagem, destaca o papel de um samba enredo que fala com o brasileiro. “A importância de um bom desenvolvimento de letra, melodia e poesia numa proposta de criação de um “Samba de Enredo” é uma das formas musicais mais ricas e influentes do país, com uma longa tradição e um profundo impacto cultural. Criadores de samba desempenham um papel fundamental na criação e preservação dessa expressão artística, sendo os principais responsáveis por trazer à vida uma narrativa que captura a essência da cultura e da identidade da tradição do povo brasileiro”.
“Quebra coco, quebradeira
Ô quebra coco com orgulho de quebrar
Okê arô, é odé lá na palmeira
Mutalambô, oxóssi a te guiar”