Palmas invisível: o desafio de garantir cidadania a quem vive nas ruas

O número de pessoas em situação de rua em Palmas já supera a capacidade de atendimento oferecida pelo município. Hoje, a capital registra 204 pessoas cadastradas oficialmente no Cadastro Único, mas dispõe de apenas 15 vagas reais de acolhimento, segundo o Ministério Público do Tocantins (MPTO), que apura possível descumprimento de políticas públicas previstas em legislação federal. O órgão instaurou um inquérito civil em maio de 2025 para investigar a ausência de estrutura permanente voltada à garantia de direitos básicos dessa população.

No levantamento estadual, o Painel ObservaDH indica 375 pessoas em situação de rua no Tocantins, sendo 197 apenas na capital, número que pode ser maior, já que o município não possui censo atualizado. Para o MPTO, a falta de dados consolidados e de política pública estruturada contribui para o crescimento contínuo do fenômeno desde 2015.

“Ajudam a sobreviver, mas não a sair da rua”

Um homem de 42 anos que vive há meses nas proximidades da Praia da Graciosa, que pediu para não ser identificado, afirma que já recebeu alimentação e atendimento de equipes sociais, mas nunca foi encaminhado para moradia, emprego ou tratamento. Para ele, as ações atuais “amenizam a fome, mas não mudam a realidade”.

Ele diz que a assistência oferecida é insuficiente porque não garante saída definitiva da rua:

“Entregar comida não resolve. O que muda a vida é ter documento, tratamento, trabalho e um lugar para morar.”

Segundo ele, morar em Palmas exige um custo mínimo impossível de alcançar vivendo nas ruas, o que faz com que as ajudas pontuais funcionem apenas como manutenção:

“Dar marmita é como pôr um curativo em ferimento de bala. O problema continua aberto.”

Questionado sobre o que mudaria sua vida primeiro, ele resume o que falta em ordem de prioridade: tratamento contra dependência química, oportunidade de trabalho e acesso à moradia. Para ele, sem essas etapas, “o ciclo da rua continua, por mais que existam ações assistenciais”.

Instalações do entrevistado nas proximidades da Praia da Graciosa – Foto: Deborah Medeiros.

Assistência existe, mas não garante saída da rua

A Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) afirma que realiza ações de abordagem social, atende em média 200 pessoas por ano e oferece alimentação diária, duas unidades de restaurante comunitário e acolhimento emergencial na Casa de Passagem. A secretaria cita parcerias com o Tribunal de Justiça, Defensoria Pública, UFT e Consultório na Rua para emissão de documentos, cuidado em saúde mental e articulação social.

Porém, o próprio MPTO informa que a Casa de Passagem funciona com capacidade real de apenas 15 vagas, e não 25, como anuncia a prefeitura. Segundo o órgão, a lotação máxima é atingida com frequência, deixando parte da população ao relento.

MPTO investiga falhas e monitora direitos violados

Em maio de 2025, a 15ª Promotoria de Justiça instaurou um inquérito civil para apurar a ausência de serviços de acolhimento que atendam pessoas em situação de rua e pessoas com deficiência. O MPTO apontou três falhas críticas:

  • ausência de abrigo permanente;
  • dificuldade de acesso à documentação, saúde e alimentação;
  • inexistência de programa contínuo de reinserção social e profissional.

O órgão também conduz o Procedimento de Gestão Administrativa nº 2025.0009937, que acompanha o funcionamento da Rede Interinstitucional de Proteção à População em Situação de Rua, formada por Prefeitura, Estado, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, Ministério Público Federal, OAB, entre outros.

Além disso, o MPTO monitora a aplicação da portaria federal que reserva 3% das unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida para pessoas em situação de rua.

O que existe é assistência emergencial; o que falta é política de saída da rua

Segundo a Semas, há oferta de alimentação, kits de higiene, encaminhamento ao Cadastro Único, atendimento psicológico e articulação com serviços de saúde. Porém, não existe programa de moradia permanente, nem política municipal de reinserção profissional, pontos citados pelos moradores como determinantes para deixar as ruas.

Na prática, o modelo atual funciona em ciclo:

Atendimento → cadastramento → alimentação → retorno à rua. Não há continuidade.

Nas palavras do entrevistado: “Ninguém sai da rua porque comeu hoje. Sai quando tem onde morar amanhã.”

Enquanto isso, o dado cresce, e a rua cresce junto com ele.