SINOPSE é a coluna do Jornal Primeira Página assinada por Carolinne Macedo. Tudo sobre os principais lançamentos cinematográficos do mês e um mergulho na sétima arte!
O cineasta grego Yorgos Lanthimos volta a surpreender com sua mais recente obra, “Tipos de Gentileza”, uma antologia composta por três histórias independentes que exploram a complexidade das relações humanas e a tênue linha entre gentileza e abuso. Lanthimos, conhecido por sua abordagem absurdista e surrealista, oferece um filme que retorna às suas origens, evocando a crueza e o desconforto característicos de suas obras anteriores, como “Dente Canino” e “O Sacrifício do Cervo Sagrado”. O diretor se afasta da exuberância visual que marcou seu último filme, “Pobres Criaturas”, para abraçar um estilo mais contido, mas igualmente impactante.
A trama do filme gira em torno de três histórias aparentemente distintas, mas conectadas tematicamente pela exploração das dinâmicas de poder e servidão, onde a gentileza serve como uma máscara para motivações egoístas e relações abusivas. O elenco, composto por nomes de peso como Emma Stone, Willem Dafoe, Jesse Plemons e Margaret Qualley, se revezam nos papéis principais e, apesar das três histórias serem independentes, Lanthimos cria uma unidade estética e narrativa que reforça a ideia de que as situações absurdas e abusivas apresentadas são variações de um mesmo tema: a perda de autonomia. Alternando entre momentos de comédia, suspense e drama, a obra mantém sempre um tom irônico e desconfortável, marca registrada do diretor.
Lanthimos explora, de forma satírica, o egoísmo inerente ao comportamento humano, questionando até que ponto a busca por aprovação e pertencimento pode levar à autodestruição. A gentileza aqui raramente é altruísta. Pelo contrário, é usada como uma ferramenta de controle e manipulação. O diretor nos força a refletir sobre como muitas vezes nos submetemos a figuras de autoridade em nome de uma suposta gentileza, que no fundo mascara intenções egoístas. Um aspecto marcante da obra é o tom pessimista e pragmático, que se reflete não apenas nas escolhas narrativas, mas também na estética visual.
Em “Tipos de Gentileza” Lanthimos adota uma abordagem mais minimalista, com o diretor de fotografia Robbie Ryan optando por uma paleta de cores mais sóbria e enquadramentos que reforçam a claustrofobia e o desconforto dos personagens. A montagem intercala cenas em preto e branco, que sugerem momentos fora do presente diegético – sejam eles sonhos, lembranças ou imaginações –, contribuindo para a sensação de estranheza que permeia o filme. No entanto, pareceu-me que a direção tinha aspirações cósmicas para um cenário terreno. O longa-metragem apresenta um ritmo lento e contemplativo, sendo inegavelmente repetitivo e que, portanto, não precisava da duração total que tem. E ainda, como em toda antologia, algumas histórias se sobressaem mais do que outras, o que pode gerar uma experiência desigual para o público.
As atuações do elenco central são evidentementeponto forte do filme. Emma Stone, Willem Dafoe e Jesse Plemons entregam performances impressionantes, transitando com habilidade entre os diferentes papéis e trazendo nuances para personagens que, em mãos menos experientes, poderiam facilmente se tornar caricaturas. A decisão do diretor de repetir o elenco ao longo dos três capítulos reforça a ideia de que, independentemente das circunstâncias específicas, todos os personagens estão presos a uma mesma dinâmica de poder e submissão. Mas com quase três horas de duração e histórias absurdamente reais e cruéis, a ideia do filme é melhor do que a execução.
“Tipos de gentileza” não é um filme fácil de digerir. Sua temática pesada e seu tom irônico e cruel podem afastar parte do público, especialmente aqueles que esperam algo mais acessível, como as produções mais recentes do diretor. Está longe de ser um dos melhores filmes na prateleira de Lanthimos e não deve agradar a todos, no entanto, para os fãs do diretor e de seu estilo peculiar, a obra oferece uma experiência cinematográfica provocativa e instigante, que desafia as noções tradicionais de narrativa e explora os limites da moralidade e das relações humanas. É uma reflexão amarga sobre a natureza do ser humano, onde a gentileza se revela uma ferramenta de manipulação e opressão.
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