“Juntos”, estreia do australiano Michael Shanks em longas-metragens, é um desses filmes com uma premissa instigante, que poderia figurar entre as mais ousadas do body horror contemporâneo, mas que no percurso prefere se esquivar do risco e abraçar uma timidez desconcertante.
A ironia é que justamente um filme que discute a fusão de dois corpos, de forma literal e metafórica, termina por não se entregar inteiramente à própria proposta. Falta ousadia em todos os sentidos e sobram similaridades com diversos outros filmes.
A história acompanha Millie (Alison Brie) e Tim (Dave Franco), um casal à beira do colapso afetivo, prestes a recomeçar a vida em uma pequena cidade do interior. Ela conquista um novo emprego como professora de escola primária, enquanto ele, músico fracassado e ainda em luto pela perda dos pais, se afunda num distanciamento crescente.
O ponto de virada acontece após uma trilha mal-sucedida na floresta: os dois passam a experimentar uma estranha ligação física que os conecta de forma sobrenatural, ao ponto de seus corpos começarem a se fundir. O trunfo do longa está justamente em seu casal protagonista, Brie e Franco além de atuarem, são casados desde 2017 e trazem para a tela uma intimidade genuína que, em tese, deveria enriquecer a química dos personagens.
O problema é que a direção não sabe muito bem o que fazer com isso. A química dos atores acaba desperdiçada em cenas que parecem não confiar na força do vínculo, preferindo diálogos banais ou soluções fáceis, quando havia ali a chance de explorar nuances mais complexas de convivência, dependência e desgaste emocional. Várias ideias não têm o impacto necessário, e vão esmorecendo a força do filme.
A hesitação de Shaks se estende ao próprio gênero body horror (um subgênero que, desde os anos 70, encanta e aterroriza ao expor corpos dilacerados, deformados ou mutantes), nunca encontrando em “Juntos” a coragem que se espera. O que deveria ser grotesco e perturbador torna-se tímido, muitas vezes filmado em off ou interrompido antes de atingir seu clímax, como se o filme tivesse vergonha de ser o que é.
O diretor parece apenas flertar com a bizarrice sem jamais abraçá-la. É apenas uma repetição constante do mesmo evento, filmado da mesma forma, com os corpos agindo igual e sem nenhuma consequência real. O resultado é um horror corporal que soa domesticado, como se tivesse sido higienizado para não incomodar demais.
Do ponto de vista técnico, há méritos. A fotografia marcada pelo contraste de sombras e luzes localizadas, cria atmosferas densas. Os movimentos de câmera, com zooms progressivos durante a trilha na floresta, sugerem ameaças invisíveis e sustentam alguma tensão. São escolhas visuais eficazes que demonstram que Shanks, apesar da inexperiência, tem sensibilidade para a linguagem. Mas a montagem, que deveria intensificar a fusão corporal, acaba prejudicada pela insistência em explicações redundantes.
O roteiro padece de um problema de tom. Se por um lado aposta em diálogos dramáticos e cenas carregadas de tensão, por outro insere piadas deslocadas que sabotam o clima. Um humor que soa bobo, infantil, e anula a atmosfera que vinha sendo construída. Essa oscilação entre o trágico e o cômico gera certo estranhamento, mas não no bom sentido. Na trilha sonora, a escolha de “2 Become 1”, das Spice Girls, como pano de fundo para a cena da transformação final, poderia ser uma ironia brilhante se houvesse intenção, mas no contexto em que é usada, beira o ridículo, minando qualquer resquício de impacto que a fusão pudesse causar.
“Juntos” tenta a todo momento discutir a codependência emocional nos relacionamentos e esse desejo quase platônico de fusão entre duas pessoas que, ao perderem suas individualidades, acreditam encontrar completude, mas o longa se limita a brincar com a metáfora sem mergulhar nela. O resultado é um filme que se anuncia como perturbador, mas prefere ser comportado. Michael Shanks tinha uma ideia ousada em mãos, mas parece nunca ter encontrado a audácia de carregá-la até as últimas consequências e tudo isso culmina num fim bastante anticlimático.
Em resumo, o título “Juntos” acaba soando irônico. Porque nada ali, de fato, se une: nem os gêneros que tenta equilibrar, nem as ideias filosóficas com o terror corporal, nem mesmo os protagonistas com o roteiro que os cerca.
Se o objetivo era explorar a fusão de corpos e almas, o que temos é uma colagem frouxa, sem impacto real, que se dissolve rapidamente na memória. Um filme que queria ser inesquecível, mas que termina apenas junto às dezenas de obras que prometeram o “terror do ano” e entregaram muito pouco.
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