SINOPSE — Cada ser é um universo: a profunda reflexão de “A Vida de Chuck”

Assistir “A Vida de Chuck” é se permitir uma reflexão profunda sobre a vida, o tempo e a existência. Inspirado por conceitos de física quântica e pelas ideias de Carl Sagan de que cada ser humano carrega o universo em si, Stephen King escreveu o conto que agora ganha a tela grande pelas mãos de Mike Flanagan.

Conhecido por seus projetos de terror,  (desde “Hush: A Morte Ouve”, passando pela espetacular minissérie “A Maldição da Residência Hill” e pela conceituada “Missa da Meia Noite”, e culminando com a fabulosa “A Queda da Casa de Usher”), aqui o diretor se distancia do suspense habitual e cria uma obra sensível, quase etérea, que nos convida a contemplar a vida sob múltiplas perspectivas.

O longa-metragem não se apresenta como uma cinebiografia tradicional. A narrativa se divide em três atos contados de forma não linear. O primeiro ato exibido, que seria, cronologicamente, o último, foca nos personagens coadjuvantes, Marty Anderson (Chiwetel Ejiofor) e sua ex-esposa Felicia (Karen Gillan), diante de um mundo à beira do colapso.

Desastres naturais, apagões e desaparecimentos inexplicáveis constroem uma atmosfera apocalíptica que repercute nossos medos contemporâneos. Entre o drama cotidiano e questionamentos existenciais, a questão central surge naturalmente: quem é Charles Krantz, homenageado em outdoors que percorrem toda a cidade?

Na segunda parte o filme nos apresenta Chuck (Tom Hiddleston) adulto, um homem comum que trabalha como bancário, tem família e uma rotina estável. Uma sequência de dança, quase ritualística, ao som de uma baterista de rua (Taylor Gordon) e com a companhia da jovem Janice (Annalise Basso), transforma o cotidiano em espetáculo, recordando que a vida é imprevisível e cheia de pequenos prodígios. Hiddleston, com seu carisma e talento, traduz perfeitamente a essência do seu personagem: um homem que contém dentro de si multidões, cuja existência afeta outros de maneiras sutil, porém profunda.

O terceiro bloco, temporalmente o início, revela a infância do protagonista e a formação de seu caráter. Mia Sara e Mark Hamill brilham como avós amorosos, conduzindo o jovem Chuck (Benjamin Pajak e Jacob Tremblay em diferentes idades) a descobrir a dança, a matemática e a complexidade do mundo.

Flanagan imprime beleza visual e ritmo à narrativa, mesclando realismo e elementos fantásticos de forma que o espectador é convidado a refletir sobre a própria passagem do tempo e o impacto de cada vida. Afinal, a consciência de que nosso tempo está chegando ao fim, somada à aflição de não poder fazer nada além de aproveitar o que nos resta, é uma angústia que todos sentem algum dia.

O roteiro e a direção de arte merecem destaque. A fotografia, embora às vezes flerte com o excesso de luz ou desfoques, cria uma poética visual que conecta passado, presente e futuro. Cada plano parece cuidadosamente calculado para evocar emoção, e o design de produção reforça a sensação de um universo que se amplia muito além do indivíduo.

O som, a montagem e a trilha sonora dialogam com a narrativa de forma natural, permitindo que o espectador sinta a efemeridade da vida e a intensidade do presente. O elenco secundário contribui de forma inspiradora, cada ator compreende a importância de seu papel, permitindo que a história transcenda o protagonista e se torne um manifesto sobre a vida e a memória.

“A Vida de Chuck” é, acima de tudo, um convite à contemplação. Ao explorar a fragilidade e a grandeza da existência humana, Flanagan e King nos lembram que cada vida é vasta, complexa e interligada. O filme não busca entretenimento fácil ou reviravoltas sensacionalistas, ele exige atenção e compromisso.

Mike Flanagan, ao se distanciar de seu território de terror, nos presenteia com uma obra que vibra com humanidade, sensibilidade e poesia. “A Vida de Chuck” é um lembrete de que cada existência vale, cada gesto importa e que, no fim, a vida deve ser celebrada em sua plenitude. Um filme para se assistir com calma, permitir-se sentir e, sobretudo, pensar.

Clique nos links abaixo e siga Carolinne Macedo e a coluna SINOPSE nas redes sociais:
@carolinnecmacedo
@sino.pse