O Auto da Compadecida 2: Um reencontro divertido, mas desnecessário

O retorno de Chicó e João Grilo às telonas, 24 anos após o clássico “O Auto da Compadecida”, era um evento cinematográfico aguardado com entusiasmo e desconfiança. Afinal, como reviver uma história tão icônica sem cair na armadilha da repetição? Pois bem, “O Auto da Compadecida 2” chegou aos cinemas dia 25 de dezembro, do ano passado, para responder essa pergunta, ainda que sua resposta não seja das mais convincentes. Um fato que ninguém pode contestar é que esta foi uma sequência totalmente desnecessária, afinal, que história mais teriam pra contar? Os personagens vividos por Selton Mello e Matheus Nachtergaele entraram para a história da dramaturgia brasileira e retornar a uma história tão icônica inevitavelmente envolve riscos.

A nova trama traz João Grilo (Matheus Nachtergaele) de volta a Taperoá após anos de desaparecimento. O reencontro com Chicó (Selton Mello) não demora e, juntos, eles tentam faturar uma grana ao transformar a lendária ressurreição de João Grilo em um conto vendável. Enquanto isso, a cidade, ambientada nos anos 50, enfrenta transformações com a chegada de uma estação de rádio comandada por Arlindo (Eduardo Sterblitch) e a presença ameaçadora do coronel Ernani (Humberto Martins). No meio desse imbróglio, Rosinha (Virgínia Cavendish) precisa lidar com Clarabela (Fabíula Nascimento), sua rival na disputa pelo amor de Chicó. A história é basicamente um copia e cola da trama original.

A autorreferência do roteiro se faz presente desde a premissa básica se equilibrando entre nostalgia e novidade, mas tropeça em sua própria tentativa de homenagear o original. O formato se repete quase como um espelho: apresentação, desenvolvimento e desfecho seguem a mesma estrutura do primeiro filme, o que, por um lado, resgata o carinho pelo material original, mas, por outro, resulta em uma experiência previsível. A sensação de “já vi isso antes” permeia a narrativa, enfraquecendo o impacto da sequência. E, sem dúvidas, esse roteiro assinado a quatro mãos é o aspecto mais problemático dessa sequência. A responsabilidade de fazer jus à obra original de Ariano Suassuna acaba sobrecarregando o filme, que soa muitas vezes apressado e sem foco.

Mas o que carrega a experiência e permite que essa aparente bagunça se torne divertida e envolvente é o elenco. Selton Mello e Matheus Nachtergaele seguem brilhantes em seus papéis. A cumplicidade entre os atores é o coração do filme, garantindo momentos emocionantes, mesmo que a produção tropeçe ao abandonar a ambientação realista da primeira obra. A decisão de filmar em estúdio em uma cidade cenográfica e o uso excessivo de chroma key criam uma ambientação que destoa bastante da objetividade crua do primeiro filme e conferem um tom artificial à experiência. A direção de arte opta por uma abordagem mais teatral e lúdica, o que pode funcionar para alguns, mas para outros pode soar deslocado e, em certos momentos, até desconfortável.

Outro ponto que chama atenção é a sincronização do áudio. A dublagem parece ter sido refeita em várias cenas e, infelizmente, o encaixe nem sempre é perfeito. Em alguns momentos, a fala se adianta ou atrasa em relação à expressão facial dos atores, causando estranhamento e dificultando a imersão. Pode ser um detalhe técnico menor, mas em um filme que se sustenta na força dos diálogos e atuações, isso se torna um problema relevante. Além disso, a montagem se mostra um frenesi descompensado que aposta em diversas referências da sétima arte e que cria uma mistura exaurível que não nos permite conectar, ao menos a princípio, com o que nos é mostrado.

Mas mesmo diante de tantos problemas, “O Auto da Compadecida 2” acerta ao manter o humor afiado e o comentário social pertinente. E, como no original, a crítica às estruturas de poder e à hipocrisia religiosa segue presente, reforçando a relevância da obra. É notável como essa sequência é desnecessária, mas tem o seu valor artístico ao contar com um elenco nada menos que estelar. Em suma, “O Auto da Compadecida 2” não é um desastre, mas também está longe de ser uma continuação necessária. Funciona como reencontro com personagens queridos, entrega boas risadas e momentos emocionantes, mas carece de inovação e personalidade própria. Para quem sentia saudade de Chicó e João Grilo, vale a pena conferir. Mas, no fim das contas, a pergunta inicial permanece: precisava?