Somente o Sine do Tocantins, ofertou em um único dia mais de 900 vagas de emprego. Foram oportunidades que estavam distribuídas para várias cidades tocantinenses. Com tanta gente desempregada, quais seriam os motivos para que muitos desses postos de trabalho fiquem sem serem preenchidos por um longo período de tempo?
A psicóloga Katherine Lima, especialista em gestão de pessoas, aponta dois caminhos para essa tendência. O primeiro deles está ligado ao que ela chama de desconexão entre o profissional e a vaga ofertada.
O mercado de trabalho é muito dinâmico. O profissional que era visto com bons olhos nos tempos dos nossos pais, já não é mais suficiente para o mercado atual. Não basta você ser bom em apenas um segmento. O seu know-how precisa ser diversificado. Quem não entendeu esse cenário fica para trás, não vai se capacitar e não conseguir ser aproveitado pelas empresas”, aponta.
A especialista explica que é por isso que muitas empresários ficam meses tentando preencher um colocação no mercado. “Existe sim o desemprego, mas existe também uma escassez da mão de obra qualificada. Na minha experiência eu vejo diversas empresas lutando para conseguir um colaborador que tem todas as características para encaixar perfeitamente com o que a empresa procura, mas esse trabalhador não se preparou o suficiente para ser essa peça estratégica”, afirma.
Outro ponto que é determinante para as vagas não serem preenchidas é o desinteresse. “É muito triste reconhecer isso, mas existe uma parcela da juventude que não está interessada em trabalhar. Esse jovem não aceita fazer sacrifícios para se colocar no mercado de trabalho, não consegue trabalhar sob pressão, coloca impedimentos no salários, na carga horária”.
A aposentada Rosa Helena está vivendo esse cenário de desinteresse na própria casa. Ela tem três filhos jovens com menos de 30 anos. Todos vivem com ela, não trabalham e também não estudam.
Eu não sei o que aconteceu com esses meninos. Esse exemplo eles não tiveram de mim, pelo contrário sempre me viam acordar de madrugada para ir trabalhar, pegar bicos no fim de semana para complementar a renda. Hoje eles estão em casa encostados, inertes”, desabafa.
Os filhos da dona Rosa, assim como outros milhões de brasileiros fazem parte da chamada geração nem-nem. São aquelas pessoas que nem estudam e nem trabalho. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, (PNAD) mostrou que dos 49 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos, 20% não desenvolvem nenhuma atividade profissional ou de educação. Isso quer dizer que a cada cinco jovens, um não estuda ou trabalha.
Para a especialista em RH Letícia Santana essa geração está caminhando fora da realidade do mercado de trabalho. “Essa geração tem outros valores. Ela valoriza mais o conforto, valoriza mais o imediatismo, não tem uma visão a longo prazo amadurecida, o que compromete a permanência desses profissionais dentro das organizações. Então eu vejo essa geração com muita preocupação, porque hoje as empresas já sofrem em decorrência da ausência dessa vontade, em contribuir efetivamente com as organizações”, analisa.
Outro viés dessa geração também precisa ser levado em consideração, já que existem particularidades de acordo com a renda desse jovem. Os mais pobres estão nessa situação por uma série de fatores, é o que aponta o cientista político Flávio Herculano.
Atualmente o Brasil é o segundo país no mundo com mais jovens nessa situação. O país só perde a primeira posição para a África do Sul. O jovem pobre para de estudar e de trabalhar para ajudar em tarefas domésticas como cuidar de irmãos mais novos, filhos, idosos. As mulheres são as mais afetadas nesse quesito. Para se ter uma ideia o perfil geral da geração nem-nem hoje é composto de 52% de mulheres e 66% de pessoas pretas e pardas, existe um recorte da desigualdade social”, afirma.
Para a Especialista em Desenvolvimento Humano, Analista de Perfil Comportamental e Master CIS Priscila Coimbra, pensar em uma solução para esse problema não é uma tarefa simples. “É um problema complexo, multifacetado e também está relacionado a um traço da geração. Isso pode ser resultado de falta de oportunidades, desmotivação, dificuldades financeiras ou até mesmo falta de orientação, falta de visão positiva de futuro, contexto social, político. É importante considerar a amplitude das suas causas para encontrar soluções eficazes”, pontua.
A conta não fecha para o empresário
O empresário Douglas Cardoso trabalha com o setor de entretenimento e busca empregar principalmente jovens. Ele conta que está cada vez mais difícil encontrar profissionais que tenham disposição para aprender.
Eu quero dar a primeira oportunidade, eu não me importo de ensinar o trabalho. Mas eu quero receber em troca vontade de trabalhar, responsabilidade. E é tudo o que eu não tenho conseguido nesses últimos anos. Pago acima do mercado e mesmo assim parece que estou pedindo um favor aos meus funcionários”, relata.
Para a especialista em RH Letícia Santana o cenário pode ainda se agravar. “O trabalho dos recrutadores é exatamente o de descobrir esses talentos, é um trabalho de minerador mesmo, escavando, indo atrás desses talentos para poder descobrir quem dentro dessa geração, conserva valores alinhados ao trabalho, ao desenvolvimento e que vai de encontro com as propostas das empresas, as necessidades que elas têm para se manter efetivas, vivas dentro do mercado. Existe essa dificuldade, nós, enquanto recrutadores, percebemos e estamos muito sensíveis a isso. Já existe um apagão de mão de obra hoje”, afirma.
Mesmo parecendo que a conta não fecha, o empresário garante que não vai abrir mão de dar o primeiro emprego para a juventude. “Levo como missão de vida, de retribuir. Eu já fui um jovem que batia de porta em porta procurando uma oportunidade. Levei muitos nãos por não ter experiência. Mas como o jovem pode ter experiência sem ter a primeira oportunidade? Está mais difícil, mas vou seguir tentando ajudar essa juventude”, conta.
O jovem precisa recalcular a rota em direção a escola e ao trabalho
É possível que até mesmo o jovem que faz parte da geração nem-nem não tenha percebido que ele está inserido em círculo vicioso? Sim! A analista de Comportamento Priscila Coimbra diz que esse jovem vai precisar de ajuda para recalcular a própria rota.
“Para que um jovem perceba que está vivendo em uma situação prejudicial e se motive para mudar, a conscientização é fundamental. É necessário despertar sonhos e com isso estabelecer metas para alcançá-los. Incentivar o jovem a ter uma visão positiva de futuro e a construir a realidade que ele deseja viver através de ferramentas que o estimule a ver possibilidades e oportunidades onde a grande maioria vê apenas problemas. Isso pode desenvolver a reflexão sobre suas aspirações, avaliação das consequências de não estudar ou trabalhar e a compreensão de como isso pode afetar suas perspectivas futuras”, analisa.
A família também tem um papel importante nessa mudança de comportamento. “Os pais têm um papel significativo em motivar esses jovens, dar apoio e manter uma comunicação aberta e também dar amor, tempo de qualidade, direcionamento. Se os pais investirem tempo em estar com os filhos eles podem identificar interesses e talentos dos jovens, incentivando-os a buscar atividades que os apaixonem. Além disso, estabelecer expectativas realistas, oferecer orientação sobre opções educacionais e profissionais e fornecer apoio emocional podem ser maneiras eficazes de motivar os jovens a se envolverem positivamente na educação e no trabalho”, conta.
Políticas públicas também devem ser desenvolvidas para garantir que as oportunidades cheguem até esses jovens. Um bom exemplo é o programa Jovem Trabalhador, idealizado pelo governo estadual. O programa pretende contratar três mil jovens para trabalhar em órgãos públicos nos 139 municípios tocantinenses. Mais de mil jovens já conquistaram a primeira oportunidade.
A Geovanna Rodrigues Dias, de 16 anos está inserida no programa e começou a trabalhar no Tribunal de Contas do Estado. “Estou um pouco nervosa e com muita expectativa por ser minha primeira experiência, mas estou muito feliz, porque agora vou poder ajudar um pouco a minha família”, conta.
A boa notícia é que ainda dá tempo de se inscrever no programa, é preciso acessar o site jovemtrabalhadorto.org.br/ e preencher a inscrição. Podem participar do programa jovens com idades entre 16 e 21 anos que já concluíram ou estão cursando o Ensino Médio em escola pública ou que são bolsistas integrais em instituições particulares, regra que também se aplica em caso de o jovem ser estudante universitário.
A renda familiar do candidato deve ser de até dois salários mínimos nacional ou meio salário mínimo per capita. Além disso, a família deve estar preferencialmente inscrita em Programas Sociais do Governo. O Programa disponibiliza cotas de 5% a 10% para Pessoas com Deficiência (PcD), sem exigência da idade máxima de 21 anos. Haverá ainda cotas para jovens do sistema socioeducativo e prioridade na contratação de jovens ribeirinhos, indígenas e quilombolas.
A prefeitura de Palmas também está incentivando que o jovem estude. O Programa Vem Enem 2023 está em fase de matrículas e ofereceu 700 vagas gratuitas em um curso pré-vestibular com aulas em modalidade presencial e on-line. Mais uma forma de garantir a preparação necessária para que o jovem possa ter chances de entrar no ensino superior.
É importante fornecer exemplos inspiradores de pessoas que superaram situações semelhantes. Uma vez que o jovem perceba a importância de mudar sua situação, definir metas alcançáveis e desenvolver um plano de ação concreto a curto, médio e longo prazo, pode ajudá-lo a se motivar e iniciar mudanças positivas em sua vida e consequentemente na sociedade”, afirma Priscila.