Esquema nacional investigado pela Operação Sisamnes, que prendeu Eduardo Siqueira Campos, começou a ser desvendado depois da execução de advogado em 2023 em Cuiabá-MT

O esquema milionário de vazamento de informações e venda de sentenças pode gerar buscas no STJ

Matéria publicada pelo Gazeta do Povo, de Curitiba-PR

Por: Juliet Manfrin em 07.07.2025

Uma novidade envolvendo o processo do Eduardo Siqueira Campos, é que o Supremo Tribunal Federal acabou de retirar todas as movimentações que estavam disponíveis no sistema processual eletrônico do caso, ampliando ainda mais o sigilo.

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O inquérito que investiga o vazamento de informações privilegiadas e venda de sentenças em Tribunais Regionais e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) está longe do fim, com novas fases da operação previstas para os próximos meses e com um potencial que pode ser devastador. Fontes ligadas às investigações afirmaram à Gazeta do Povo que estão sendo cogitadas buscas e apreensões dentro da estrutura da segunda principal corte do país, o STJ, com a evidência do envolvimento de servidores no esquema criminoso.

Por enquanto, não há magistrados entre os suspeitos, mas ao menos quatro gabinetes de ministros estão na mira das apurações conduzidas pela Polícia Federal (PF) por determinação do ministro Cristiano Zanin, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF). No ano passado, durante uma das fases da operação, a PF afirmou em manifestação ao STF que seria precipitado descartar a possibilidade de envolvimento de juízes, desembargadores ou até ministros nos crimes investigados.

Essas investigações já resultaram em pelo menos nove fases da operação batizada de “Sisamnes” em um esquema que pode ter iniciado ainda em 2020, mas que começou a ser desvendado com a morte do advogado Roberto Zampieri, em 2023, em Cuiabá (MT). Foi a partir das investigações da execução do advogado e da perícia no celular dele que a polícia encontrou as primeiras evidências de crimes relacionados à compra de sentenças judiciais. Desde então, um emaranhado foi se revelando em diversos estados brasileiros. Há alvos presos ou investigados em pelo menos sete estados e no Distrito Federal.

E a operação – que investigava inicialmente um suposto esquema de venda de sentenças judiciais envolvendo empresários, advogados, lobistas, chefes de gabinete e magistrados – ampliou suas apurações. As primeiras fases revelaram indícios de corrupção, violação de sigilo funcional e exploração de prestígio, com pagamentos negociados em troca de decisões judiciais favoráveis e até assassinatos por encomenda.

Na fase mais recente da operação, no fim de junho, materiais apreendidos em posse de presos, entre eles o prefeito de Palmas (TO), Eduardo Siqueira Campos (Podemos), prometem dar amplitude ao inquérito. A apuração será mantida no STF, já que nomes de ministros do STJ eventualmente poderão surgir no transcorrer do processo. Se o inquérito fosse desmembrado à Justiça Federal dos estados, corria-se o risco de anulação das investigações se ministros fossem arrolados como suspeitos.

Somente em valores apreendidos em diferentes fases da operação já foram mais de R$ 50 milhões em espécie, carros de luxo, imóveis e ativos em um esquema com centenas de envolvidos.

STF quer saber quem de dentro do STJ teve acesso a processos vazados

Para intensificar as investigações, o ministro Cristiano Zanin encaminhou ao STJ um ofício com pedidos detalhados de informações sobre servidores da Corregedoria Nacional de Justiça. A solicitação atende a uma recomendação da Polícia Federal, dentro do inquérito que apura a possível concessão de acesso privilegiado a informações sigilosas por parte de alvos da investigação em andamento. Os indícios envolvem processos sob relatoria de ministros que passaram pela Corregedoria, embora nenhum magistrado do STJ seja, até o momento, formalmente investigado.

No documento enviado à presidência do STJ, Zanin requisitou a lista completa dos servidores que atuam ou atuaram em dois gabinetes específicos de 1º de janeiro de 2024 até a data atual. O ministro também pediu logs de acesso e histórico de movimentações nos sistemas processuais, incluindo ações como criação, edição, exclusão e publicação de documentos, além da identificação dos usuários responsáveis em cada operação.

Entre os dados solicitados estão nomes completos, e-mails institucionais e pessoais, telefones e matrículas dos envolvidos. Os dados serão cruzados para identificação de possíveis vazamentos. Para embasar sua decisão, Zanin avaliou que são indiscutíveis a qualidade e a produtividade do Poder Judiciário brasileiro, mas que seu prestígio “lamentavelmente pode vir a sofrer máculas em virtude do agir de uma ínfima minoria de seus membros e servidores”.

O ministro disse ainda que eventuais condutas ilegais precisam de uma rigorosa apuração e que a gravidade dos casos revela preocupação, exigindo pronta resposta do STF, “até porque envolvem menção – verdadeiras ou não, não é possível saber neste momento – a ministros do Superior Tribunal de Justiça”.

O nome da operação faz alusão a um juiz persa punido por aceitar suborno, retratando a gravidade das práticas apuradas. Investigados chegaram a ter, segundo o inquérito, acesso de minutas e trechos de decisões e despachos de magistrados que seguiam sob sigilo. As investigações também querem saber se houve mudança direta no resultado das sentenças.

Investigação iniciou em 2024 com mapeamento de envolvidos

O trabalho mais pesado de apuração teve início em 2024 quando se começou a mapear redes complexas de corrupção, lavagem de dinheiro, obstrução de Justiça, vazamento de informações sigilosas e até homicídios, relevados a partir do assassinato do advogado Roberto Zampieri. O celular dele foi o ponto de partida para a investigação indicando uma ligação estreita com desembargadores e magistrados para uma suposta compra de sentenças nas mais diversas áreas.

Em novembro de 2024, a PF realizou uma grande operação dando visibilidade nacional ao caso. Era apenas a primeira etapa de uma série de ações policiais. Na ocasião foram cumpridos 23 mandados de busca e prisão preventiva em endereços de advogados, lobistas, assessores e desembargadores do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT). Chefes de gabinete do STJ, que apareceram desde o início nas investigações, também viraram alvos.

O primeiro desdobramento levou à prisão do lobista Andreson Gonçalves e ao afastamento de servidores suspeitos. A defesa de Gonçalves tem dito que se manifestará apenas no processo.

Em dezembro do ano passado, a investigação avançou para apurar operações imobiliárias usadas na lavagem de propina oriunda da venda de sentenças; imóveis foram sequestrados por ordem do STF. Em março de 2025, a PF concentrou esforços, mais uma vez, na apuração do vazamento de informações sigilosas do STJ, com prisões de assessores do Ministério Público (MP) e advogados no estado do Tocantins.

A quinta fase, deflagrada em maio deste ano, teve como alvo uma rede supostamente de lavagem de dinheiro. Foram cumpridos 11 mandados de busca e apreensão, com sequestro de cerca de R$ 20 milhões e arrecadação de evidências sobre transações fraudulentas, negócios entre empresas do Centro-Oeste do Brasil e advogados.

O ministro Cristiano Zanin, do STF, determinou medidas cautelares como afastamentos, bloqueio de bens e sequestro de passaportes e as investigações prosseguem em várias frentes, avançando em cada nova etapa do inquérito quando são apreendidas novas evidências.

A PF, no entanto, não comenta oficialmente investigações em curso, mas a reportagem da Gazeta do Povo apurou que há frentes de apuração com alvos até o momento em pelo menos oito estados brasileiros envolvendo quatro gabinetes do STJ. Todas as investigações foram unificadas em um único inquérito no STF e ele segue sob sigilo.

A “Operação Sisamnes” ainda não encontrou um desfecho definitivo e pode estar bem longe disso ocorrer. O próprio STF admite que novas fases podem atingir desembargadores de outros tribunais estaduais e núcleos vinculados ao STJ.

Prefeito de capital preso por suposto esquema criminoso

Na fase mais recente da “Operação Sisamnes”, deflagrada em 27 de junho de 2025, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão e decretou a prisão preventiva do prefeito de Palmas, capital do Tocantins, além de um advogado e um policial civil. As prisões foram determinadas por Cristiano Zanin.

Nessa trama, a investigação apura a participação de uma organização criminosa que teria acessado e vazado informações sigilosas do STJ, com objetivo de proteger aliados políticos, obstruir operações policiais e fortalecer redes de influência. A PF afirma haver indícios de que esses dados confidenciais foram repassados a investigados, o que provocou o sequestro de bens, a imposição de medidas cautelares — como o afastamento das funções públicas — e a proibição de saída do país para os envolvidos.

Segundo a Polícia Federal, a prisão do prefeito de Palmas, Eduardo Siqueira Campos, revelou uma rede clandestina de monitoramento que lhe permitia receber antecipadamente informações sobre decisões judiciais, pareceres da Procuradoria-Geral da República (PGR) e operações da própria PF.

As mensagens trocadas entre os envolvidos indicariam comunicações curtas e muitas vezes cifradas. Em uma dessas trocas de mensagens, de novembro de 2024, o grupo já demonstrava saber com antecedência da possibilidade de afastamento do governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos), que estava entre os investigados em um processo no STJ sobre fraudes supostamente praticadas durante a pandemia da Covid-19. Barbosa nega envolvimento e afirmou que na época dos supostos ilícitos era vice-governador.

Uma das mensagens interceptadas pelas investigações dizia que havia “grandes chances do governador ser afastado amanhã. Confirmado o parecer”, em alusão a uma decisão do Superior Tribunal de Justiça. A PF aponta que parte das informações teria partido de dentro do gabinete de um ministro do STJ, embora o envolvimento do magistrado não tenha sido confirmado.

Segundo as investigações, um advogado atuava como intermediário junto ao Judiciário e ele dizia ter uma fonte com informações privilegiadas em Brasília. Ele chegou a dizer ao prefeito que neste caso específico a decisão sairia em horas. Um policial civil alvo da operação na semana passada, de acordo com a PF, utilizava sistemas internos da corporação para obter dados sobre operações policiais em curso e repassava essas informações ao grupo.

Em uma das mensagens, chegou a detalhar a movimentação da PF informando que 16 homens em quatro diferentes equipes chegariam por terra para cumprimento de mandados em agosto do ano passado. A operação de fato foi deflagrada.

Zanin destacou a ousadia do grupo em continuar com os vazamentos mesmo após operações anteriores no Tocantins. A investigação segue em andamento com a análise de material apreendido, incluindo celulares, computadores e arquivos em nuvem, para identificar outros possíveis beneficiários do esquema, incluindo agentes públicos e políticos.

O prefeito nega ter recebido informações privilegiadas e afirma confiar no Poder Judiciário. A defesa do policial também declarou que seu cliente é inocente. A defesa do advogado não foi localizada. O STJ disse que não comenta investigações em curso.

Durante entrevista coletiva concedida em seu gabinete um mês antes da operação que o levou para a prisão, quando aliados já haviam se complicado no suposto esquema, o prefeito Eduardo Siqueira Campos negou que tenha cometido qualquer irregularidade. Naquele momento, ele havia sido alvo de buscas da PF. Ele declarou que sabia do que se tratava a investigação, mas afirmou que não teve acesso a qualquer informação privilegiada.

“Eu sou fonte de muita gente. Acho que vocês sabem o tanto que sei ou não sei, eu só sei o que dizem por aí. Eu não tenho nenhuma informação privilegiada. Estou aqui para responder em relação ao suposto vazamento de informação perante o STJ. Eu não tenho fonte no STJ, não é meu papel”, disse. Preso desde 27 de junho, no início desta semana a Justiça decidiu manter a prisão do prefeito.

Esquema vai além de interferência nas decisões judiciais, revela investigação da PF

No desenrolar das diversas fases da operação, as investigações passaram a indicar várias faces do suposto esquema criminoso.

No fim de maio, a PF revelou uma ligação de investigações com possíveis coautores do assassinato do advogado Roberto Zampieri. A investigação identificou a atuação de um grupo composto por militares — da ativa e da reserva — e civis, com envolvimento em crimes graves, como espionagem e execuções sob encomenda. Segundo a PF, a morte de Zampieri teria sido motivada por disputas fundiárias na região.

Durante as diligências, os investigadores descobriram uma organização criminosa denominada “Comando C4”. O grupo tinha uma lista impressa com valores atribuídos para ações desde o monitoramento até a execução de pessoas. Os “preços” dos assassinatos variavam conforme o cargo da vítima: R$ 100 mil para deputados, R$ 150 mil para senadores, e R$ 250 mil no caso de ministros do Judiciário.

Não houve confirmação de esquemas sendo planejados para possíveis homicídios. Registros manuscritos ainda indicavam possíveis alvos entre autoridades nacionais, incluindo congressistas e membros do Supremo Tribunal Federal.

Com autorização do STF, a PF cumpriu cinco mandados de prisão preventiva, seis de busca e apreensão e quatro de monitoramento eletrônico nos estados de Mato Grosso, São Paulo e Minas Gerais. Foram também impostas medidas cautelares, como recolhimento domiciliar noturno, proibição de contato entre os investigados e impedimento de saída do país, com recolhimento de passaportes.

Linha do tempo — “Operação Sisamnes”

26 de novembro de 2024  – 1ª fase

A Polícia Federal cumpriu 23 mandados de busca e apreensão em Mato Grosso, Pernambuco e no Distrito Federal. Foi presa uma pessoa em flagrante. A ação resultou no afastamento de desembargadores do Tribunal de Justiça do Mato Grosso e de servidores do STJ. Entre os alvos estava um empresário apontado como “lobista dos tribunais”.

20 de dezembro de 2024 – 2ª fase

Em Mato Grosso, a PF fez nova ofensiva, dessa vez focada em operações imobiliárias usadas para lavar dinheiro obtido com subornos. Foram cumpridos mandados, afastados servidores e, por ordem do STF, confiscados R$ 1,8 milhão e imóveis de magistrados suspeitos.

18 de março de 2025 – 3ª fase

A PF prendeu um assessor jurídico do MP do Tocantins, por suspeita de vazar decisões do STJ. A operação investigou violação de sigilo, obstrução de Justiça e identificou uma rede clandestina de repasse de informações sigilosas, comprometendo investigações sob supervisão do STJ.

13 de maio de 2025 – 4ª e 5ª fases

Com foco na lavagem de dinheiro, a PF cumpriu 11 mandados de busca e apreensão e determinou o sequestro de R$ 20 milhões em imóveis e valores. A investigação detalhou o esquema de dissimulação de pagamento de propinas por meio de redes empresariais voltadas à compra de sentenças do STJ.

15 de maio de 2025 – 6ª fase

A sexta fase da “Operação Sisamnes” teve como foco a prisão de suspeitos de obstruir a Justiça ao tentar atrapalhar o cumprimento de mandados da etapa anterior da investigação. Um mandado de busca e apreensão foi cumprido em Brasília, onde também ocorreu a prisão de um homem apontado como operador do esquema ligado ao lobista, já preso. O alvo, que não foi encontrado no dia da operação, se entregou à polícia no dia seguinte. A ação foi um desdobramento direto da quarta e quinta fase da operação, que havia mirado nomes como de um ex-presidente da OAB de Mato Grosso.

28 de maio de 2025 – 7ª fase

A sétima fase da operação teve como foco identificar os possíveis mandantes e coautores do assassinato do advogado de Cuiabá. A investigação revelou a existência de uma organização criminosa formada por civis e militares, envolvida em espionagem, homicídios por encomenda e lavagem de dinheiro oriundo da suposta venda de decisões judiciais no STJ. Foram cumpridos cinco mandados de prisão preventiva, quatro de monitoramento eletrônico e seis de busca e apreensão em Mato Grosso, São Paulo e Minas Gerais.

29 de maio de 2025 – 8ª fase

Dessa vez, a PF realizou buscas em Mato Grosso com o afastamento de um juiz do MT, isolamento cautelar de desembargadores e bloqueio de R$ 30 milhões em bens e contas dos investigados.

27 de junho de 2025 – 9ª fase

A PF deflagrou uma nova ofensiva para apurar o vazamento de informações sigilosas sobre as investigações. Foram cumpridos três mandados de busca em Palmas (TO), com aplicação de medidas cautelares. Nesta operação, o prefeito de Palmas, capital do Tocantins, acabou preso.

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