Em entrevista ao Estadão, Willamara Leila afirma: “Quero recuperar meu nome, minha dignidade e minha toga”

Confira a entrevista com a ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Tocantins, Willamara Leila de Almeida, publicada pelo Estadão na última sexta-feira, dia 23.

Confira a entrevista com a ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Tocantins, Willamara Leila de Almeida, publicada pelo Estadão na última sexta-feira, dia 23, no blog do jornalista Fausto Macedo. A seguir, leia o texto na íntegra:

Treze anos depois de ser afastada compulsoriamente da carreira, sob suspeita de ligação com desvios de recursos de precatórios no Tribunal de Justiça do Tocantins – Corte que presidiu -, a desembargadora Willamara Leila de Almeida quer a toga de volta. “Sonho todos os dias! Vou voltar para concluir a missão que Deus me deu.”

Aos 69 anos, Willamara diz que nada a fará desistir. “Passados quase 15 anos do meu afastamento, ainda não houve julgamento final do meu caso. É um grande sofrimento. Tenho ciência de que fui vítima de uma perseguição política, por isso quero um julgamento justo.”

A desembargadora presidia o Tribunal de Justiça do Tocantins, em dezembro de 2010, quando a Polícia Federal chegou. Era a Operação Maet – deusa da Justiça, pela mitologia egípcia -, uma ruidosa investigação sobre suposta venda de sentenças e fraudes na liberação de precatórios sob sua gestão.

Ela foi levada para a sede da PF em Palmas e lá permaneceu, ‘apenas por um dia’.

Em novembro de 2012, no âmbito de procedimento administrativo disciplinar, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça decretou a aposentadoria compulsória de Willamara – ou seja, seu afastamento definitivo da carreira.

Foi unânime a decisão. O colegiado atribuiu a ela ‘conduta incompatível com o exercício de suas funções’.

Há cerca de dois anos, ela se pôs a escrever sobre o que chama de seu ‘pesadelo’. Surgiu dessas anotações ‘Biografia Interrompida, o testemunho de uma luta incansável’. Em 224 páginas, o livro relata passagens da vida de Willamara, desde a infância e a faculdade, até alcançar o topo da magistratura, na presidência do Tribunal de Justiça do Tocantins.

Veio o súbito declínio. Ela foi acusada de processamento irregular de precatórios em conluio com advogados, incompatibilidade entre seus rendimentos e a movimentação financeira, coação hierárquica, irregularidades na gestão administrativa da Corte, promoção pessoal por meio de propaganda irregular e até apropriação de arma recolhida pela Corregedoria.

Ainda é ré em ação criminal no Superior Tribunal de Justiça – que detém competência para processar e julgar desembargadores.

“Desde o primeiro momento em que eu fui acusada de cometer crimes eu luto desesperadamente para comprovar que vivo em uma situação kafkiana”, protesta. “Mesmo sem provas, mesmo inocente, ainda sou alvo do processo. Quero recuperar meu nome, minha dignidade, minha toga.”

Ao Estadão ela colocou em xeque o processo que tomou sua toga. “Todos nós sabemos que no processo criminal o ônus da prova é de quem acusa. Sabemos também que a inocência não precisa ser provada e sim a culpa, a prática do delito! Em todas as fases do processo, nas audiências, o Ministério Público não fez perguntas. O protagonismo foi do juiz.”

Willamara diz que recorreu ‘contra todas as aberrações jurídicas’. “Mas quando existe uma força estranha por trás, você grita, e seu grito não é ouvido! Meu argumento principal é comprovar que os crimes que me foram imputados não ocorreram e que a motivação do meu afastamento foi política. Foi por um pedido político que fui afastada e meu processo não chega ao fim enquanto existir tal interesse.”

Segundo a acusação do Ministério Público Federal, o esquema do qual Willamara teria feito parte consistia em espreitar credores de precatórios e ‘forçá-los’ a aceitar um deságio de até 50% do valor do crédito.

Os credores também deveriam aceitar o pagamento de 15% por honorários advocatícios. “Só depois de aceitar as condições do esquema fraudulento é que os credores recebiam os precatórios”, sustenta a denúncia.

O esquema de liberação indevida de precatórios, segundo o CNJ, foi colocado em prática quando Willamara assumiu a presidência da Corte do Tocantins.

Segundo a Polícia Federal, nos autos da Operação Maet, a desembargadora teria convocado advogados de ‘sua confiança’ e a eles propôs, por meio de seu marido, João Batista de Moura Macedo, uma engrenagem na qual os causídicos e ela própria ficariam na posse de quase a metade do valor total dos títulos.

Ela nega. “Todos os recursos possíveis no nosso ordenamento jurídico foram impetrados por mim, no sentido de fazer com que a verdade venha à tona. Veja bem, passados quase 15 anos do meu afastamento, ainda não houve julgamento final do meu caso.”

O julgamento em primeira instância já foi. Pegou cinco anos e 10 meses de prisão em regime semiaberto por peculato e porte ilegal de arma. Em maio de 2018, o Tribunal de Justiça reduziu a pena para 2 anos e 8 meses e declarou extinta a punição. Naquela ocasião, o jornalista Téo Cury, então repórter do Estadão, entrevistou Willamara. A Téo, ela declarou que preferia não receber nada de salários, mas ter as provas contra ela analisadas e, depois, absolvida, ‘do que receber o que recebe’.

“A aposentadoria compulsória não é um prêmio, como muitas pessoas acham. Para mim, é castigo, mesmo recebendo um valor por mês sem trabalhar. Queria trabalhar para fazer jus ao recebimento. Tenho plena condição de trabalhar”, disse.

Sentenciada criminalmente, Willamara deu início à sua guerra particular que não chega ao fim. “Recorri e agora o processo volta novamente para ser julgado pelo STJ. É um grande sofrimento! Como a motivação, no meu caso, foi política, enquanto perdurar esse interesse eu não terei um julgamento justo”, suspeita.

Confira a entrevista na íntegra ao Estadão

A Sra. se diz alvo de uma ‘perseguição política’. Quem a persegue?

O meu afastamento foi motivado por interesse político do grupo que governava o Estado na época. Tanto é verdade, que o filho do então governador, já falecido, está hoje respondendo processo no Supremo Tribunal Federal, em razão de informações privilegiadas que recebeu de alta autoridade do STJ e que interferiram no trabalho da Polícia Federal. Em grampo telefônico ele afirma que ouviu do próprio ministro relator do meu processo de afastamento que quatro desembargadores seriam afastados, acrescentando que era para comunicar essa decisão dele ao pai, então governador. A partir disso, minha vida foi totalmente devassada, por interesse e capricho político. Eu estava realizando muitas obras no Estado, inclusive um fato inovador, a construção de Unidades Judiciárias, distantes das Comarcas. O objetivo era que os juízes se deslocassem para atender os cidadãos que não tinham recursos para ir à Justiça. Este fato estava chamando muito a atenção em todo País, e certamente revolucionaria a prestação jurisdicional em todo canto, cumprindo os objetivos constitucionais de celeridade e tratamento digno e humano aos desvalidos. Uma ex-senadora também me perseguiu. Foi de gabinete em gabinete e sem nenhum escrúpulo, pediu, apenas por maldade, o meu afastamento e possivelmente o afastamento dos demais desembargadores. Uma alma pequena. O que eu passei… nem é bom falar! Foram dias de terrorismo que sucederam ao afastamento. Eu era perseguida onde quer que estivesse.

Eu fiquei retida na Polícia Federal por um dia. Não foi decretada a minha prisão. O processo estava aqui na primeira instância e retornou ao STJ. Mas ainda não foi redistribuído. Estamos aguardando.

Fale da Operação Maet.

A Operação Maet, em 16 de dezembro de 2010, derivou de um pedido político a uma autoridade do STJ, a fim de afastar quatro desembargadores do Tocantins. Apoiou-se em um inquérito iniciado em 2007, contra dois desembargadores, e que tratava de possível venda de sentença no Tribunal de Justiça. O relator foi o ministro João Otávio de Noronha. Há quase 15 anos eu luto para comprovar o caráter político dessa operação.

A investigação da PF, como divulgado à época pela força-tarefa, indicou suposto esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça do Tocantins durante sua gestão na presidência da Corte. A Sra. vendeu sentenças?

Jamais. Nunca vendi sentença. Não fui acusada de venda de sentenças, nem na denúncia e nem na decisão do ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça. Eu fui incluída de sofreguidão em uma investigação que tratava somente disso. O próprio site do Conselho Nacional de Justiça, quando se referia à minha pessoa, acrescentava que eu respondia processo por venda de sentença. Até que eu enviei um requerimento para a Ouvidoria, exigindo que fosse retirada de qualquer notícia que constasse o meu nome a pecha de acusada de venda de sentença.

O CNJ reconheceu?

Retiraram, mas com muito custo e muito prejuízo moral para mim. Entendo que o maior crime que um magistrado pode cometer, no exercício da sua função, é ‘vender’ o seu trabalho, pois muito mais que uma função, a magistratura sempre foi tida por mim como uma missão. Todo ato ilícito de um juiz deve ser punido, mas a venda de sentença é o pior de todos!

A Sra. sabia da Operação Maet?

A investigação tramitou em segredo no STJ. Minha gestão iniciou em 2009 e da investigação eu não tinha conhecimento. Eu estava no cargo de presidente do Tribunal do Tocantins, em uma fase de muito trabalho, inaugurando dez novos fóruns, preparando a inauguração de mais dez e lançando as pedras fundamentais de outros dez, além de reformas substanciais em outros. Isso perfazia mais de 60 obras em andamento por todo o Estado. Em janeiro de 2011, eu iria inaugurar dez fóruns novos no interior. Até então, o Judiciário do Tocantins contava somente com três fóruns construídos. Eu deixaria a presidência no início de fevereiro de 2011, com 20 fóruns novos inaugurados. Quando a Polícia Federal adentrou a minha casa, às seis horas da manhã, eu não tinha a menor ideia do que estava acontecendo.

Como reagiu?

Tomei conhecimento da decisão do ministro Noronha, certa de que tinha havido um equívoco e que tudo seria esclarecido o mais rápido possível. Me chamou a atenção o fato de que eu havia sido incluída na investigação de 2007, em 25 de novembro de 2010, se não me falha a memória. No dia 16 de dezembro eu estava sendo afastada do meu cargo. Fui investigada e monitorada por vinte e poucos dias.

Teve acesso aos autos da investigação?

Posteriormente, quando tomamos conhecimento do processo, eu e o advogado que me representava, constatamos que não havia nos autos nada que pudesse desabonar minha conduta. Não havia ligação telefônica, mensagens, e-mails, fotos, depósitos, absolutamente nada que me ligasse a qualquer um dos envolvidos na denúncia, ou a qualquer atividade ilegal. Ingressamos com as medidas necessárias a comprovar a inexistência de indícios de irregularidades, bem como a total inexistência de provas materiais que justificassem a medida extrema. Nenhuma petição nossa foi acatada.

A Sra. é inocente?

No processo administrativo que respondi simultaneamente no STJ, onde constaram várias denúncias de irregularidades, a grande maioria caiu por terra logo no início. No dia do meu interrogatório no CNJ, o representante do Ministério Público adotou uma atitude de tédio e não quis fazer nenhuma pergunta. Eu olhei para ele e não pedi, mas roguei que ele buscasse ali, naquele momento, comigo, a verdade real dos fatos.Ele dirigiu o olhar ao relator e reafirmou: ‘Não tenho nenhuma pergunta’. Naquele momento eu me senti totalmente desamparada e novamente sem chão.

Em novembro de 2012, o CNJ decretou sua aposentadoria compulsória por unanimidade. O relator atribuiu à Sra. ‘conduta incompatível’ com o exercício das funções. De que se trata ‘conduta incompatível?’

De acordo com as normas do CNJ, seguindo o que norteia a Lei Orgânica da Magistratura, a conduta incompatível com o exercício das funções do juiz engloba negligência e falta de ética profissional, bem como atos que violem a dignidade e honra da função.

Desde o primeiro dia que ingressei na magistratura, procurei agir em obediência às normas legais, não me afastando um minuto sequer da ética, responsabilidade e caráter. Por ser humana, devo ter cometido atos falhos, mas nunca de forma intencional. Foram muitos anos trabalhando dia e noite pois sempre acumulei muitas varas e atuei em várias comarcas ao mesmo tempo. Fui a primeira juíza da Capital provisória do novo Estado e, junto com Miracema, me foram entregues outras onze comarcas. Isso até que o primeiro concurso para juiz se realizasse. Com todas as obras e trabalho digno que realizei, fui considerada pelo CNJ uma juíza sem honra e indigna do cargo. E fui aposentada compulsoriamente, para meu desgosto e sofrimento de toda a minha família.

Segundo o CNJ, como presidente do Tribunal do Tocantins, a Sra. processou precatórios de forma irregular. Qual a sua versão?

Em 29 de Junho de 2010, o CNJ expediu a Resolução n.115/2010, que tratava da Unificação de Precatórios da Justiça Federal, Justiça do Trabalho e Justiça Estadual. Assim que recebemos a ordem de unificação, demos início às reuniões para tratar da padronização dos procedimentos, visando garantir o fiel cumprimento das normas aplicáveis, da Constituição Federal e do CNJ. Os servidores responsáveis pelo Setor de Precatórios realizaram todo o levantamento dos processos, a ordem de preferência nos pagamentos e foi por mim determinada a criação de um link, prontamente desenvolvido pela Diretoria de Informática, no site do Tribunal de Justiça, oferecendo aos interessados acesso irrestrito aos precatórios com acompanhamento da evolução judicial de cada um deles. Todos os precatórios, na minha gestão, foram processados de forma transparente e regular. É imperioso ressaltar que o presidente do Tribunal não determina nenhum pagamento de precatório, sem antes obter o necessário parecer do Ministério Público, que analisa a legalidade e a ordem de preferência. Estando tudo correto ele opina pelo pagamento.

Os investigadores a colocam como artífice do suposto esquema implantado em sua Corte e alegam que a Sra. manteve contato com os credores de R$ 100 milhões em precatórios já com parecer favorável da Procuradoria. Também alegam que a Sra. fazia ‘pressão’ para forçar a aceitarem um deságio de até 50% do valor do crédito. Nesses casos, o credor também deveria concordar em desembolsar 15% sobre o total do título em honorários advocatícios. Como a Sra. explica isso?

Nunca tive contato com nenhum credor de precatório. No decorrer da instrução processual, vários credores foram ouvidos em audiência e todos foram unânimes em afirmar que não me conheciam pessoalmente, que nunca falaram comigo, o que de fato era e é a verdade! Esta ‘afirmação’ dos investigadores não se sustenta porque em razão da Resolução 115/2010 do CNJ eu suspendi os pagamentos de todos os precatórios até a formação da lista unificada determinada pelo Conselho. O Ministério Público não teve êxito na acusação, seja por absoluta falta de provas, seja pelo fato de que tais acusações foram feitas de forma leviana, no intuito único de me condenar a qualquer custo.

Seu marido participou das mesas de negociação com advogados dos precatórios?

Meu marido nunca participou de mesa de negociação com advogados de precatórios ou outras ações judiciais. Naquela época, ele estava cursando Direito, mas trancou a matrícula por vários anos, pois além de ter que responder, assim como eu, a acusações infundadas, ele cuidou diuturnamente, por três anos, da saúde da mãe, que infelizmente veio a falecer de câncer. Posteriormente, ele concluiu o curso, mas ainda não possui OAB, portanto, nunca advogou. Ressalto que não sou eu somente que estou afirmando a não participação dele em qualquer negociata. Como a instrução processual já foi feita, é fácil verificar que também nesta acusação, o Ministério Público não logrou êxito em comprovar qualquer ato ilícito do meu marido, pelo simples fato de que o ato não existiu.

Segundo a investigação, teria havido ‘incompatibilidade entre seus rendimentos e a movimentação financeira’. O que foi encontrado em suas contas?

Tentaram, de toda forma, após o meu afastamento, encontrar quaisquer irregularidades em minha conduta, que pudesse ao menos justificar a violência cometida contra mim. Quando eu estava na ativa, era comum para mim realizar empréstimo consignado. Quando já havia quitado várias parcelas, sempre surgia uma instituição financeira que ‘comprava’ aquele empréstimo e devolvia um troco para o devedor. Quem é funcionário público, sabe bem como funciona. Eu fiz isso algumas vezes. O Ministério Público tentou jogar essa movimentação como sendo resultado de um procedimento ‘incompatível’ com meus rendimentos! Ocorre que, no mesmo período que ‘constataram’ essa atipicidade, por duas vezes o COAF (unidade de inteligência financeira) expediu ofício afirmando que não havia nenhuma irregularidade, nenhum movimento suspeito em minhas contas no período mencionado. Mais uma afirmação do MP que caiu por terra e com provas nos autos. Nenhum valor duvidoso foi encontrado em minhas contas e também de nenhum servidor ou familiar meu.

A Operação Maet também lhe imputa ‘coação hierárquica’ e até apropriação de arma sob custódia da Corregedoria. Quem a Sra. coagiu?

Com relação à ‘coação hierárquica’, foi instaurado um processo à parte, na Justiça comum. Isso apesar de não haver nenhuma prova de que tal fato teria acontecido. Até hoje eu me pergunto como o CNJ e o STJ levaram tão longe esses processos contra mim, sem provas, sem nexo de causalidade, nada. Instrução feita, nada foi comprovado, fui absolvida da acusação!

E sobre o episódio da arma?

Quanto à questão de uma arma em custódia da Corregedoria, possivelmente houve uma troca, sem dolo, de algum policial que teve acesso a elas. Digo isso porque a mesma quantidade de armas apreendidas na correição foi a mesma quantidade de armas entregues ao Exército. Não houve apropriação e sim, possivelmente uma troca. Uma análise técnica teria constatado o equívoco, mas não era interesse do Ministério Público.

Por que ainda sonha em voltar a vestir a toga?

Sonho todos os dias com isso! A minha vida toda, desde a idade de oito anos, eu sonhei em ser juíza. Lutei com muito afinco para conseguir superar os desafios para vencer. Desde o dia 16 de dezembro de 2010 que minhas roupas de trabalho estão arrumadas no guarda-roupas de casa. Eu espero ansiosa o dia que tudo vai se esclarecer e voltar para concluir a missão que Deus me deu!

Está recorrendo da condenação?

Todos os recursos possíveis no nosso ordenamento jurídico foram impetrados por mim, no sentido de fazer com que a verdade venha à tona. Veja bem, passados quase 15 anos do meu afastamento, ainda não houve julgamento final do meu caso. Já teve um julgamento em primeira instância, recorri e agora o processo volta novamente para ser julgado pelo STJ. É um grande sofrimento para qualquer ser humano! Mas como a motivação, no meu caso, foi política, enquanto perdurar o interesse político eu não terei um julgamento justo.

Qual o seu argumento para tentar voltar à magistratura?

Em primeiro lugar, eu gostaria que pelo menos um julgador, dentre os que já passaram os olhos no meu processo, ou algum representante do Ministério Público, cumprisse com o seu dever de analisar provas. Desde o primeiro momento em que eu fui acusada de cometer crimes eu luto desesperadamente para comprovar que vivo em uma situação kafkiana, onde mesmo sem provas, mesmo inocente, o processo continua. E todos nós sabemos que no processo criminal o ônus da prova é de quem acusa. Sabemos também que a inocência não precisa ser provada e sim a culpa, a prática do delito! Em todas as fases do processo, nas audiências, o Ministério Público não fez perguntas. O protagonismo foi do juiz. Recorremos contra todas as aberrações jurídicas. Mas quando existe uma força estranha por trás, você grita, mas seu grito não é ouvido! Meu argumento principal é comprovar que os crimes que me foram imputados não ocorreram e que a motivação do meu afastamento foi política. Foi por um pedido político que fui afastada e meu processo não termina enquanto existir tal interesse.

Em seu ‘exílio’ da toga, a Sra. escreveu ‘Biografia Interrompida – testemunho de uma luta incansável’. O que a Sra revela nessas 224 páginas?

No livro eu narro fatos que considero importantes, da minha vida pessoal e profissional. Na primeira parte falo sobre os desafios que enfrentei desde criança, a dificuldade para estudar, a falta de dinheiro até para um ônibus ou um lanche. Ressalto a superação e minha gratidão a Deus por todas as bênçãos que recebi. Na segunda parte descrevo com muita clareza a perseguição política que sofri, os passos dados pelos meus algozes. O ‘modus operandi’ deles. Por ter sido muito atacada na época e até hoje por uma parcela da mídia e de redes sociais e, na impossibilidade de rebater tudo, optei por escrever. Restabelecer a verdade. Contar como tudo aconteceu, como a política interferiu e quase destruiu a minha vida. O outro objetivo do livro é mostrar aos juízes que ninguém está isento de passar pelo que passei e ainda estou passando. A possibilidade de você perder tudo, sua honra, sua dignidade e seu cargo, mediante um ato que desagradou um político é muito grande. Principalmente quando ele encontra em todas as esferas de poder, abrigo para sua vindita.

Com frequência, juízes e desembargadores têm sido punidos por suposto envolvimento com desvios, propinas e abusos. O que se passa com a magistratura?

Apesar de alguns se considerarem semideuses, os magistrados são simples humanos e, portanto, passíveis de cometer erros. Um dos sentimentos mais destrutivos de uma carreira jurídica é a ambição, aquela que leva à ganância. E qualquer um está sujeito a ela, principalmente quando já traz dentro de si a falha de caráter. As redes sociais não ‘falam’ apenas aos destituídos de recursos. Também incentiva o ganancioso a ter mais e mais bens para ostentar. Mas esta é a minha opinião, deve haver uma explicação mais científica do aumento de casos de juízes e desembargadores corruptos. O aumento da fiscalização por parte da Polícia Federal e do CNJ traz maior exposição dos casos.

Sente-se injustiçada?

Totalmente! Até hoje, decorridos quase 15 anos, eu estou privada de justiça em um processo que se arrasta de um tribunal para outro e não encontra seu fim! Para mim, que sempre tive no Direito o meu caminho e direção, dói duas vezes ter que enfrentar um inimigo invisível, sabendo que a solução de tudo passa pela boa, fiel e simples aplicação da lei.

Como é sua rotina hoje?

Enquanto aguardo um julgamento correto e justo me agarro à leitura, meu hobby. Leio sempre dois livros simultaneamente. Minha preferência recai sobre biografias, literatura brasileira, clássicos e evolução social. Atualmente estou mergulhada nas páginas de ‘O anti-frágil’ e também nas de ‘Lógica do Cisne Negro’, ambos de Nassim Nicolas Taleb. Gosto de fazer longas caminhadas, cozinhar para a minha família e amigos. Aprecio uma taça de vinho à noite. Mas essa rotina de hoje nada tem a ver com os anos de sofrimento e dor que passei ao ser expulsa da magistratura. Desde o meu afastamento, passo muitas horas no escritório, estudando os processos e buscando a justiça que me tem sido negada.

COM A PALAVRA, O ADVOGADO ALEXANDRE SATYRO, QUE REPRESENTA A DESEMBARGADORA

“Em relação à ação penal decorrente da Operação Maet, esclarecemos que, apesar da sentença já prolatada, por declínio de competência, seguindo a nova orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, o feito foi encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento originário, tendo sido reativada, inclusive sob o mesmo número, a ação penal originária da Corte, de modo que os fatos, em especial novas provas, ainda pendem de apreciação definitiva.

A defesa precisa registrar, antes de tudo, que todas as imputações oriundas da narrativa inverídica sobre venda de sentenças, noticiada levianamente por alguns meios, que ensejaria o tipo de corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal), foram provadas inconsistentes, ensejando rejeição imediata do respectivo capítulo (artigo 395 do Código de Processo Penal, ou absolvição em sentença (artigo 386 do CPP).

Em apartada síntese, a única narrativa, também inverídica, reconhecida na sentença, foi pelo tipo de concussão (artigo 316 do Código Penal). Neste sentido, a conduta efetivamente tomada pela desembargadora Willamara Leila, então presidente e no estrito exercício das funções, foi a de regularizar e suspender o pagamento de todos os precatórios fora da ordem legal, o que, se ignorado, ensejaria irreparável dano ao erário e aos demais credores.

A versão acusatória lastreou-se na alegação de que a referida suspensão teria se dado para prejudicar alguns credores específicos que não participariam do conjecturado esquema de venda de decisões – em relação ao qual, repita-se, todas as imputações de venda (corrupção passiva, artigo 317 do Código Penal) já foram desconstituídas.

Ocorre que a decisão de suspensão dos precatórios irregulares foi geral e abstrata, destinada a todos os precatórios, não apenas àqueles apontados pela acusação, com parecer favorável do Ministério Público do Tocantins e sustentada pela Resolução 115/10 do Conselho Nacional de Justiça, vigente à época, que impunha aos presidentes de Tribunais, sob pena de responsabilização pessoal, o dever de impedir a quebra da ordem cronológica dos precatórios. Conforme ainda se verificou, a Presidência seguinte deu sequência aos pagamentos na ordem cronológica, inclusive nos próprios autos de precatórios ora subjudice.

Ainda, após vastas investigações pela Receita Federal e pelo COAF, foi auditado todo o patrimônio da desembargadora, durante vários anos, antes e depois das acusações, reconhecendo-se a inexistência de qualquer valor indevido ou incompatível com sua própria renda declarada.

Ademais, a sentença lastreou-se nas declarações de uma apontada vítima e de seu advogado. Trata-se de narrativa acusatória inconsistente, que desconsiderou elementos cruciais. A vítima havia prestado, em 2010, declaração exclusivamente ao Ministério Público do Tocantins, em suas dependências, na qual declarou em claro e bom tom que a desembargadora não seria parte de qualquer esquema, conforme lhe teria sido confidenciado por um suposto interlocutor.

Esta declaração não foi apontada pela acusação ou apreciada em qualquer momento do processo. Em relação à prova testemunhal do advogado, não foi considerado seu testemunho judicial, perante as partes e sob o contraditório, em que negou ter sido assediado pela desembargadora, mas apenas um depoimento colhido e redigido pela Polícia Federal, prestado no calor do momento e sem controle judicial ou ministerial.

Enfim, foi ainda juntada prova nova aos autos, pendente de apreciação, consistente em declaração particular da testemunha ratificando a inocência e o caráter da desembargadora Willamara Leila.

A propósito, quase todos os fatos considerados na decisão de aposentadoria compulsória do CNJ foram desconstituídos na esfera penal, o que, com o julgamento definitivo, deverá repercutir para a revisão judicial da decisão administrativa, nos termos da jurisprudência atual do STF.

Por fim, a defesa confia na efetivação da justiça e aguarda decisão absolutória.”

Alexandre Satyro – advogado e professor