Casos de jovens indígenas marcados com ferro em brasa na Ilha do Bananal seguem sem resolução

Entre outubro de 2024 e abril de 2025, dois casos de violência da mesma natureza foram registrados na região da Ilha do Bananal, envolvendo vítimas indígenas de diferentes etnias. Uma criança e um adolescente foram queimados com ferro de marcar gado por homens que atuavam com criação de bovinos dentro do território indígena. Até o momento, nenhum dos crimes resultou em punições efetivas.

O caso mais recente ocorreu em abril de 2025, nas proximidades da Aldeia Barreira Branca, próximo a município de Araguaçu (TO). Um adolescente indígena e o tio ajudavam a segurar uma bezerra para que um vaqueiro fizesse a marcação do animal. Após finalizar a marcação, o homem feriu as costas do jovem, causando queimaduras de segundo grau.

O caso anterior aconteceu em outubro de 2024, próximo à Aldeia Macaúba, também na Ilha do Bananal. Na ocasião, um menino de apenas seis anos teve o braço queimado com ferro em brasa pelo dono do retiro onde sua mãe e o padrasto trabalhavam. O boletim de ocorrência foi registrado pelo pai da criança na Delegacia de Polícia de Santa Terezinha (MT).

Criação de gado em território indígena

A criação de gado por não indígenas dentro da Ilha do Bananal é tema de uma antiga e complexa disputa. Em dezembro de 2024, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou que todo o gado pertencente a pessoas não indígenas fosse retirado da ilha até agosto de 2025. No entanto, lideranças indígenas solicitaram a prorrogação do prazo, alegando falta de tempo hábil, impactos econômicos e a necessidade de discutir alternativas de geração de renda. Um novo prazo foi então estabelecido: dezembro de 2025.

Além da disputa fundiária e ambiental, a presença de não indígenas nas áreas internas da ilha é apontada por lideranças como fator de risco para entrada de drogas, álcool, exploração sexual e casos de violência, como os que atingiram os dois jovens.

Caso de 2024

O caso da criança indígena ocorrido em 2024 está sob investigação da 57ª Delegacia de Polícia de Pium e está tipificado como lesão corporal. Conforme apurado pelo Jornal Primeira Página, o caso ainda não foi finalizado por falta do laudo pericial.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Tocantins, o documento está em posse da Polícia Civil do Mato Grosso, que registrou inicialmente o boletim de ocorrência e, depois, remeteu o caso à Polícia Civil do Tocantins.

Em nota, a Delegacia Municipal de Santa Terezinha (MT) informou que, no ato do registro do Boletim de Ocorrência, foi solicitada a perícia e, inclusive, já foi enviado um Laudo Pericial à Polícia Civil do Tocantins. Segundo a delegacia, o que ocorreu posteriormente foi o pedido de uma perícia complementar, cujo laudo ainda está em elaboração. Assim que finalizado, o documento será encaminhado à delegacia responsável.

Uma medida protetiva está em vigor, proibindo o agressor de se aproximar da vítima e de seus familiares, mantendo distância mínima de 300 metros. Fediney Cunha Barbosa, que arrendou a terra para criação de gado no território indígena, é apontado como autor da agressão contra a criança. Até o fechamento desta reportagem, não houve retorno por parte de sua defesa.

Caso de 2025

A investigação do caso do adolescente indígena segue em andamento na 57ª Delegacia de Polícia de Pium, e aponta para um caso de lesão corporal gravíssima. Conforme informado pela Secretaria de Segurança Pública do Tocantins, “não houve solicitação de pedido de medida protetiva nem da vítima, nem de seu representante legal”.

A mãe do adolescente relata viver em estado constante de medo. Além da falta de resolução do caso, preocupa-se com a impunidade dos autores e os impactos emocionais gerados na família. “É uma situação tão delicada. Que eu, assim, hoje até que eu consigo falar um pouquinho, né? Mas não é fácil não. Porque o que eles fizeram com meu filho foi uma covardia muito grande, né?”, desabafa.

Atuação da Defensoria Pública

Os dois casos estão sendo acompanhados pela defensora Letícia Amorim, Coordenadora do Núcleo de Combate ao Racismo e Questões Étnicas da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO). Apesar do encaminhamento formal das denúncias, os documentos do caso de 2024 continuam parados há meses no Estado do Mato Grosso, onde a denúncia foi registrada.

“Como o inquérito foi lavrado lá no Mato Grosso, tem uma demora muito grande para poder vir para o Tocantins. Então, esse inquérito foi para o Tocantins a partir do momento que a gente esteve lá e fez esse pedido”, explicou a defensora em entrevista ao Jornal Primeira Página.

A Defensora Pública Letícia Amorim, Coordenadora do Núcleo de Combate ao Racismo e Questões Étnicas da DPE-TO, acompanha as duas situações. – Foto: Marcelo de Deus/Ascom MPTO – Divulgação

De acordo com Letícia Amorim, os povos indígenas da região da Ilha do Bananal costumam buscar frequentemente atendimentos nas áreas de saúde e segurança em cidades do estado do Mato grosso, devido a proximidade com os territórios indígenas.

Atualmente, a Defensoria atua em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso (DPE-MT) e o Ministério dos Povos Indígenas. A presença da DPE-TO nas aldeias ocorre por meio de ações itinerantes. “A gente vai até as aldeias. Geralmente, fazemos atendimentos presenciais por meio de itinerância com várias instituições”, completou Letícia.

Enquanto isso, as famílias das vítimas seguem aguardando justiça, enfrentando não apenas a dor das marcas físicas e emocionais, mas também a lentidão e as falhas de um sistema de proteção que parece distante da realidade das comunidades indígenas da Ilha do Bananal.