A notícia de que 70 alunos entraram na Universidade Federal do Tocantins (UFT) pela política de cotas e não passaram na avaliação da banca de heteroidentificação da universidade gerou polêmica entre os estudantes.
“É um absurdo pensar que uma pessoa tomou o lugar de quem realmente deveria ter entrado no ensino superior pela lei de acesso as cotas”, disse o estudante Flávio Silva.
“É mais uma vez alguém usurpando e subjugando uma pessoa preta nesse país. É claramente um traço desse racismo estrutural que nós vivemos”, aponta a estudante Lúcia de Sousa.
O problema dessa situação é que os estudantes que foram reprovados na banca de identificação entraram na maior instituição pública de ensino superior do Tocantins nos anos de 2020, 2021 e 2022. Muitas já estão na metade do curso.
Mas porque só agora a UFT decidiu que esses alunos não tem direito ao acesso pelas cotas? Segundo a UFT, corre que a pandemia do Covid-19 impossibilitou durante mais de dois anos a continuidade da realização dessas bancas de forma presencial, e a realidade de falta de acessibilidade tecnológica também impediu que o processo de avaliação fosse feito de forma online para grande parte dos alunos, motivo pelo qual as bancas foram suspensas.
Na retomada dos trabalhos da banca, 37 alunos foram indeferidos pelos avaliadores e outros 33 não compareceram ao exame. Esses alunos que estão inseridos nos cursos de medicina, direito, administração, engenharia civil, elétrica e ambiental terão as matrículas canceladas.
Sobre a demora na avaliação, a UFT também disse que que não está medindo esforços para adequar o calendário das bancas ao processo seletivo e o procedimento seguiu o trâmite previsto no Edital de Abertura do Processo do qual o candidato/acadêmico concorreu.
Como funciona a banca de avaliação étnico-racial?
Desde 2020, em cumprimento a legislação vigente, a Universidade Federal do Tocantins (UFT) passou a realizar a verificação da autodeclaração étnica por meio das bancas de heteroidentificação de forma censitária, ou seja, não apenas quando há denúncia, mas para todos estudantes ingressantes pelas cotas étnicas.
Na UFT, há uma Comissão Permanente de Heteroidentificação, composta por integrantes de origens étnicas diferentes que, além de possuir um histórico de participação em outras bancas de heteroidentificação, passam por constantes capacitações. A comissão avalia o fenótipo de cada candidato, sobretudo para os candidatos que se autodeclaram negros, entre pretos e pardos, e emite um relatório que justifica a avaliação. Esse procedimento é realizado em todas as universidades federais do Brasil, em todos os concursos, com a mesma dinâmica. Nesse sentido, os procedimentos são sistemáticos e a banca é preparada para a avaliação. A banca avalia através de uma documentação que é padrão.
Os critérios são estabelecidos pela Portaria Normativa MPOG/SGP nº 4, de 06 de abril de 2018 que regulamenta o procedimento de Heteroidentificação complementar à autodeclaração e declaração de pertencimento étnico.
Nos editais dos processos seletivos constam que o candidato será submetido a análise da sua condição de pertencimento étnico-racial por meio de Comissão de Heteroidentificação, mediante convocatória específica para este fim, que poderia ser realizada a qualquer tempo, mesmo após as matrículas.
Caso pode parar na Justiça
Não é a primeira vez que UFT reprova candidatos na banca de identificação racial e cancela a matrícula desses estudantes. Em maio deste ano, a Justiça determinou que um estudante de medicina da Universidade Federal do Norte do Tocantins, que foi reprovado durante a avaliação de cotas, seja reintegrado ao curso.
Os avaliadores estabeleceram que o estudante em questão não era pardo como havia declarado no momento em que se matriculou no curso.
Na decisão liminar a Justiça Federal também determinou que o Ministério Público Federal (MPF) e Tribunal de Contas da União (TCU) atuem em relação à falta de critérios das bancas de heteroidentificação da UFNT e da UFT.