O Tocantins registrou, no último ano, 589 casos de pessoas desaparecidas, segundo levantamento apresentado pelo Ministério Público do Estado (MPTO). Apenas em Palmas, a Polícia Civil registra em média 1,8 desaparecimentos por dia — um número que expõe a urgência de protocolos e a necessidade de respostas mais rápidas. Nesse cenário, o uso de cães farejadores do Corpo de Bombeiros vem se consolidando como uma das estratégias mais eficazes para localizar pessoas com vida, especialmente em áreas de mata e difícil acesso.
A Companhia Independente de Busca e Salvamento (CIBS), sediada em Palmas, é hoje a única unidade do Corpo de Bombeiros do Tocantins especializada no uso desses animais. O núcleo conta com oito cães em treinamento e três já certificados para atuar em operações de resgate. As raças — pastores alemães e belgas malinois — foram escolhidas pela resistência, força e agilidade, além do faro extremamente sensível.
Os animais são criados e treinados pelos próprios bombeiros, desde filhotes, em um processo que leva cerca de 18 meses até a certificação nacional.
Segundo o tenente Mollo, responsável pelo treinamento e pelas primeiras equipes operacionais do Estado, os cães representam um avanço técnico no resgate de desaparecidos.
“O cão é um parceiro do bombeiro, nunca trabalha sozinho. Com ele, conseguimos reduzir o tempo de busca em áreas extensas e aumentar as chances de encontrar pessoas com vida”, afirmou.
Operações bem-sucedidas reforçam importância do acionamento rápido
Em agosto, uma ocorrência em Porto Alegre do Tocantins mostrou o potencial dessa ferramenta. O cão Baru, conduzido pela soldado Emmylle, localizou um homem desaparecido havia mais de 24 horas. A vítima foi encontrada viva, porém debilitada, em uma área de mata.
“Fomos acionados ainda no mesmo dia, e isso fez toda a diferença”, contou Emmylle. “O acionamento em tempo hábil aumenta muito a chance de sucesso. Quando há demora, o odor humano se dissipa e o trabalho do cão fica mais difícil.”
A soldado explica que o Tocantins ainda carece de um protocolo unificado de acionamento. “Se todas as instituições soubessem o momento certo de chamar a equipe de cães, como fez a companhia de Dianópolis nesse caso, as respostas seriam muito mais rápidas e eficazes”, pontuou.
Casos semelhantes têm se repetido. No final de setembro, um homem de 56 anos foi resgatado após passar mais de um dia desaparecido na zona rural de Bom Jesus do Tocantins, no centro-norte do Estado. A operação envolveu drones, policiais militares e a cadela farejadora Dory, que ajudou a localizar a vítima a apenas 400 metros de casa.
Esses episódios reforçam a importância da resposta rápida e do uso integrado de recursos tecnológicos e biológicos — uma combinação que tem salvado vidas.
Estrutura, treinamento e cuidados com a saúde dos animais
Os cães farejadores do Tocantins são mantidos sob uma rotina rigorosa de alimentação, treinamento e acompanhamento veterinário. Como ainda não existe um canil institucional, os próprios condutores levam os animais para casa e são responsáveis por todos os cuidados diários.
“Eles são considerados cães atletas. Têm uma alimentação balanceada, rotina de exercícios e treinamentos constantes”, explicou Emmylle.
O Corpo de Bombeiros constrói atualmente um novo canil, previsto para ser concluído em 2026, o que deve melhorar a estrutura de abrigo e treinamento.
O atendimento veterinário é prestado pelo Hospital Veterinário do CEULP/ULBRA, que mantém uma parceria gratuita com a corporação. Segundo a Dra. Andressa Karollini, preceptora do hospital, o serviço inclui consultas, cirurgias e exames de imagem.
“Já realizamos castrações, profilaxia dentária e até cirurgias mais complexas. Quando há necessidade de exames laboratoriais externos, o custo ainda é assumido pelos próprios bombeiros”, informou.
A veterinária explica que as raças utilizadas têm predisposição genética a problemas articulares, como displasia coxofemoral, mas destaca que o manejo e o condicionamento físico evitam a maioria das complicações.
Desafios de manutenção e efetivo
Para o tenente Mollo, o maior desafio é manter a atividade de forma contínua. O treinamento não pode ser interrompido, e parte dos custos ainda recai sobre os próprios condutores.
“Mesmo durante as férias, o militar precisa continuar treinando o cão. Se ele para, o animal regride. Além disso, alguns medicamentos e exames ainda são pagos do bolso dos bombeiros”, explicou.
A falta de efetivo também é um entrave. Hoje, apenas cinco militares atuam diretamente com cães no Estado. A expectativa é que, com o novo canil, seja possível ampliar o número de equipes e fortalecer o núcleo.
Integração e política pública
A ampliação do uso de cães farejadores depende da integração entre as forças de segurança, saúde e assistência social — objetivo do Ministério Público do Tocantins (MPTO), que coordena a criação de uma Política Integrada de Busca de Pessoas Desaparecidas.
Em nota ao Jornal Primeira Página, o MPTO reconheceu a importância dos cães como recurso estratégico nas operações. O órgão destacou que a falta de protocolos unificados e de comunicação entre instituições compromete a eficácia das buscas.
O Ministério Público articula a formação de um Grupo de Trabalho Interinstitucional (GT), reunindo Corpo de Bombeiros, Polícias Civil e Militar, PRF, conselhos tutelares, unidades de saúde e assistência social. O grupo deverá elaborar um Procedimento Operacional Padrão (POP) para padronizar o acionamento e a cooperação nas ocorrências.
“O olfato apurado dos animais é determinante para a localização em áreas rurais, desastres ou locais de difícil acesso. Eles fazem parte da estratégia, mas é preciso fortalecer também a rede de apoio social e de saúde para prevenir novos desaparecimentos”, afirma o texto do MPTO.
Perspectiva
Com o avanço das operações e a consolidação de parcerias como a da ULBRA, o Tocantins começa a estruturar um modelo de atuação mais técnico e integrado. Para os bombeiros, o próximo passo é transformar o que hoje depende da iniciativa de poucos em uma política de Estado.
“O nosso maior objetivo é que o acionamento do cão não dependa da sorte de alguém lembrar. Ele precisa fazer parte do protocolo, como uma ferramenta oficial de busca”, resume o tenente Mollo.
Enquanto isso, cães como Baru e Dory seguem demonstrando, na prática, o que os números confirmam: a busca por desaparecidos é mais eficiente quando a tecnologia e o instinto se encontram no mesmo caminho.