No Dia das Crianças, o convite é redescobrir o encantamento que cabe dentro de um livro. Em meio a brinquedos, telas e distrações, a literatura ainda é um dos espaços mais livres que a infância pode habitar. É nela que as crianças encontram o espelho de suas emoções e aprendem, aos poucos, a nomear o que sentem.
No Brasil, o hábito da leitura ainda enfrenta desafios. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2024, 53% dos brasileiros não leram nenhum livro nos últimos três meses, e 38% das crianças afirmam ler por prazer. No Tocantins, o cenário começa a mudar com o aumento de programas de incentivo e o surgimento de novos autores que escrevem a partir da própria realidade.
Entre eles está o escritor, professor e psicanalista Francisco Neto Pereira Pinto, doutor em Letras e docente da Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT). Ele transformou a experiência da paternidade em literatura e se tornou uma das vozes que representam a produção infantil no estado.
Quando a chegada de um irmão vira história
A inspiração para o livro Você vai ganhar um irmãozinho veio de casa. Francisco conta que a ideia nasceu quando sua esposa ficou grávida do segundo filho.
“Procurei um livro infantil que tratasse da chegada de um novo bebê sob o ponto de vista da criança mais velha, especialmente sobre como isso impacta a saúde mental dela. Não encontrei. Então resolvi escrever o meu”, explica.
A obra acompanha o pequeno Téo, um menino que precisa lidar com a mistura de alegria e ciúmes ao saber que vai ganhar um irmão. A narrativa, ilustrada por Fabiana Corrêa, traz humor e delicadeza para um tema universal: a partilha do amor dos pais.
“Mesmo quem tem muitos irmãos se vê, a cada nova chegada, diante do desafio de dividir o afeto. Escrevi esse livro como um gesto de cuidado com as emoções das crianças e também dos cuidadores”, diz o autor.
A inspiração não veio apenas da experiência pessoal, mas também da psicanálise, área que Francisco estuda há anos. Ele explica que, segundo Freud, a chegada de um irmão é uma das primeiras grandes perdas simbólicas que uma criança vivencia. “O amor exige exclusividade, e dividir esse sentimento é uma aprendizagem que levamos para a vida. A literatura ajuda nesse processo porque permite que a criança compreenda, por meio da imaginação, o que está sentindo.”
Além de autor, Francisco é leitor e professor. Para ele, incentivar o hábito da leitura desde cedo é tão importante quanto ensinar a andar ou falar. “A literatura infantil ajuda a expandir o universo das crianças de maneira segura. Do ponto de vista da neurociência, o cérebro reage à leitura como a experiências reais, ou seja, ler é viver outras vidas. Por isso costumo dizer que ler é cuidar da saúde da alma e do corpo.”
Traço que dá vida às palavras
Se as palavras de Francisco nasceram do olhar do pai, as imagens que acompanham Você vai ganhar um irmãozinho surgiram do olhar atento da artista e ilustradora Fabiana Corrêa.
A parceria entre os dois começou em 2021, quando ela foi convidada a ilustrar O Gato Dom, o primeiro livro infantil de sua carreira. Desde então, a artista tem se dedicado a criar imagens que dialogam com o universo da criança, misturando delicadeza, cor e imaginação.
“Cada história tem um universo próprio. As ideias surgem da leitura, mas também das reações das crianças ao meu redor — especialmente dos meus sobrinhos. Observar como eles desenham e contam suas próprias histórias me inspira profundamente”, conta Fabiana.
Ao ilustrar Você vai ganhar um irmãozinho, Fabiana observou a reação da sobrinha Fernanda, que também passava pela experiência de ganhar uma irmãzinha. Essa vivência ajudou a criar imagens que traduzem as emoções do pequeno Téo, o personagem central.
“O autor me deu total liberdade para criar. Usei desenho digital para explorar novas formas e cores. A liberdade foi essencial para que as ilustrações refletissem o que há de mais autêntico na infância: a espontaneidade.”
A artista já participou de outros projetos no Tocantins, ilustrando livros de Watila Misla, Ariadne Feitosa e Rayasa Carneiro. Todos os trabalhos, segundo ela, nasceram de parcerias abertas, em que o diálogo entre autor e ilustrador é fundamental. “As melhores criações nascem quando há cumplicidade. Quando o autor confia na arte, a imagem se torna parte da narrativa, e não um simples complemento.”
Literatura como semente e desafio
Os desafios ainda são grandes para quem escreve e ilustra para crianças no Tocantins. A ausência de editoras locais especializadas e o custo de produção são barreiras que limitam o alcance das obras. “A maioria dos livros que ilustrei só foi possível graças às leis de incentivo à cultura. Publicar ainda é caro e trabalhoso, independentemente do estado. Se houvesse mais apoio privado, teríamos mais obras incríveis sendo impressas”, avalia Fabiana.
Francisco compartilha percepção semelhante. Para ele, o principal desafio é tornar visível a literatura infantil tocantinense.
“Poucos sabem que há escritores e ilustradores locais trabalhando com literatura infantil. Mas isso também é uma oportunidade, estamos abrindo caminho para quem virá depois.”
Mesmo diante das dificuldades, ambos acreditam que o cenário é promissor. O Tocantins tem se mostrado um terreno fértil para autores que transformam suas vivências em histórias e ajudam a formar novos leitores. “Eu digo que minha literatura é tocantinense e universal ao mesmo tempo. Ela nasce da vida daqui, das relações e dos modos de ser tocantinenses, mas fala de sentimentos que toda criança entende”, resume Francisco.
Um presente que dura para sempre
“Todo dia é dia de celebrar as crianças e sua energia criativa. Se eu criasse uma ilustração para elas, seria sobre liberdade e coragem, o direito de ser quem se é”, diz Fabiana.
Francisco completa com um recado aos pequenos leitores tocantinenses:
“Ler é cuidar da saúde da alma e do corpo. A leitura fortalece o cérebro como o exercício físico fortalece o corpo. Invistam em livros, em sonhos e na vida.”
No Tocantins, a leitura entre as crianças vem crescendo aos poucos. Dados da Avaliação de Fluência Leitora Estadual mostram que 62% dos alunos do 2º ano atingiram o nível esperado de leitura em 2024, um avanço em relação ao ano anterior.
Para autores e ilustradores locais, a literatura infantil é mais do que um caminho para formar leitores: é uma forma de cuidar das emoções desde cedo. “Ler é cuidar da saúde da alma e do corpo”, resume Francisco. “A leitura faz bem ao cérebro como o exercício físico faz ao corpo. Investir em livros é investir na vida.”