A tarde desta quinta-feira, 06, foi marcada por um momento histórico de luta e reivindicações no Auditório do Ministério Público Estadual do Tocantins, em Palmas. A Audiência Pública sobre terras e territórios reuniu uma ampla gama de participantes para discutir os desafios fundiários e ambientais no estado. O evento teve como objetivo principal a formulação de políticas que promovam a proteção dos territórios e a preservação das culturas das comunidades indígenas e tradicionais do Tocantins.
Durante a audiência, foram abordados temas como o avanço do agronegócio e suas consequências socioambientais. De acordo com o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD) divulgado pelo MapBiomas, o desmatamento no Tocantins cresceu 177,9% em 2023. Além disso, a insegurança hídrica causada pelo uso excessivo e irregular da captação de água para irrigação de lavouras e o uso intensivo de agrotóxicos, que prejudica a saúde da população local, foram amplamente discutidos.
Outro ponto de destaque foi a falta de regularização fundiária para comunidades rurais, sobretudo os territórios quilombolas. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Tocantins sofreu um aumento de 22% no número total de conflitos agrários registrados em 2023, totalizando 81 conflitos em comparação com os 66 registrados em 2022. Os movimentos sociais relataram a preocupação com a perseguição, ameaças a trabalhadores rurais, a exemplo o líder camponês Cícero Rodrigues foi assassinado no último dia 3, evidenciando a gravidade dos conflitos na região.
Os problemas na legislação fundiária do estado também estiveram em pauta. A Lei 3.525/2016, que convalida títulos de origem irregular, está sendo questionada por sua inconstitucionalidade no STF. Além disso, houve grande preocupação com a proposta de Lei 1.199/2023, que propõe a transferência do domínio das terras públicas devolutas da União para o Estado do Tocantins. A gestão dessas terras pelo estado enfrenta grandes dificuldades, incluindo falta de transparência na destinação e ausência de uma legislação clara e de um plano de regularização fundiária conforme o artigo 188 da Constituição, que prevê que a destinação de terras públicas deve atender à política agrícola e à implantação da reforma agrária.
O evento foi estruturado em dois blocos principais. No primeiro bloco, representantes de instituições previamente inscritos compartilharam suas perspectivas e propostas sobre os temas em pauta. No segundo bloco, o microfone foi aberto ao público, permitindo que todos os presentes se inscrevessem e contribuíssem ativamente com o debate, promovendo uma discussão democrática e inclusiva.
Fátima Dourado, membro da equipe Advocacy da Coalizão Vozes do Tocantins, destacou a importância histórica do evento também serviu para debater com a sociedade sobre a importância da garantia da terra, da preservação ambiental, cultural e da justiça para as comunidades tradicionais e trabalhadores do campo. “Estivemos perante o Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal e Defensoria Pública do Estado, onde eles puderam escutar de quem sofre na pele com problemas ambientais e fundiários. Esperamos que a partir de agora seja cobrado a criação do plano de regularização fundiária e haja um acompanhamento no controle sobre o desmatamento legal e ilegal no estado, e que as comunidades sejam devidamente atendidas em suas necessidades”, enfatizou a advogada.
O Cacique Joel Apinajé, representando a Coalizão na mesa de debate, apontou que a audiência proporcionou a oportunidade de cobrar direitos e articular com parceiros os próximos passos da luta. “Os órgãos competentes puderam nos escutar e entender a nossa realidade. Eu, como liderança, tenho esse papel e vamos seguir buscando o respeito aos nossos direitos e aos nossos povos”, disse ele.
Maria Conceição, coordenadora de base da Regional Tocantins do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, conta que a audiência foi um espaço de reivindicações e denúncias. “Não podemos deixar de expressar nossas insatisfações em relação à regularização fundiária, bem como as necessidades das trabalhadoras quebradeiras. Além disso, é uma oportunidade para discutir como administrar melhor nossas vidas”, compartilha.
Segundo o representante da Articulação Tocantinense de Agroecologia (ATA) e da Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APATO), Paulo Rogério, as principais manifestações dos movimentos sociais na audiência pública referente à Lei n° 3.525/2019 e ao PL n° 1.199/2019. “O estado está regularizando terras públicas estaduais ocupadas por grileiros e invasores e propõe, através do Projeto de Lei n° 1.199/2019, fazer o mesmo com terras federais. Há preocupação com a questão ambiental, pois muitas áreas queimadas e destruídas são terras griladas”, ressalta.
Para Maria Aparecida Ribeiro de Sousa, coordenadora Executiva da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO), o evento foi um marco para os movimentos sociais. “No Tocantins não temos um território quilombola regularizado pelo estado. A regularização das terras dos agricultores familiares, quilombolas e populações tradicionais não é pautada como prioridade. Durante a audiência, destacamos a urgência pela preservação dos territórios das Comunidades tradicionais, que são os principais conservadores da biodiversidade do Cerrado do Estado”, conclui.